sexta-feira, 16 de novembro de 2012

República privada

Do original A Rês ex-Pública (27/10/2007) 
.
O mito final da República é uma mentira útil que se deve contar a essas crianças, a fim de que se submetam à autoridade paterna da ordem estabelecida  KELSEN,  H., 1998: 323
.
Datas festivas são apropriadas para serem coloridas com a cor que se quiser.  Das mais devotadas são  7 de setembro & XV de Novembro. Ambas deveriam ser motivo de vergonha, jamais de jactância. A primeira assinala um brado retumbante disparado aqui, do outro lado do Atlântico, contra um pai que finalmente dormia sossegado em sua varanda. E a segunda não passou de simples traição da própria guarda imperial. Reverenciam-se os atos quiçá por distantes, e cercados de intensa divulgação, mas uma publicidade enganosa que certamente não passaria por um órgão de defesa do consumidor se revelados motivo, método e consequências que os rótulos píntados heróicos de antemão esconderam. 
"O fato de, no Brasil, o Estado ter se organizado antes da sociedade, impondo-se sobre esta, teria sufocado processos autônomos de organização cujo resultado se via na debilidade da sociedade civil." (COSTA, V.: 33) 
A República ainda está para ser conquistada, justamente por ter sido usurpada.
Inspirados pelo positivismo francês adotaram na nossa bandeira o lema favorito de Auguste Comte 'Ordem e Progresso' como um ideal a ser seguido. O recado estava claro, Progresso sim mas com o controle das Forças Armadas... A reforma eleitoral aprovada pelos republicanos foi marcada pela exclusão da grande maioria do povo brasileiro. A adoção do preceito de que analfabeto não tem direito a votar marginalizou a maioria da nossa população, especialmente os escravos recentemente alforriados que eram em número de um milhão e meio numa população de dez milhões de habitantes. Além desta exclusão, os republicanos criaram um sistema eleitoral que terminava por estimular a fraude visto que o voto não era secreto e o próprio governo se encarregava de contar os votos. Rapidamente o poder real e concreto resvalou para os coronéis do interior, para os mandões locais que manipulavam os resultados eleitorais visto que controlavam os seus currais eleitorais com mão-de-ferro. Não demorou muito para que o processo eleitoral se tornasse sinônimo de farsa. Um jogo de cartas marcadas onde todos os resultados eram previsíveis de antemão. (Sobre História por conteudo@algosobre.com.br)
Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada. Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. Vivemos numa República bufa. República destroçada
A Constituição
"Não é sem razão que a imprensa norte-americana tenha tratado com descrédito e até humor a nova constituição brasileira, de 1988. Um texto constitucional como o brasileiro, que desce a níveis bem específicos e se prolonga por centenas de artigos é, na tradição americana, uma piada."
A Lei Maior não esconde o desvio de caráter no qual permanecemos submetidos. A digital identifica a voracidade do lobo que invadiu o pavilhão..Apesar de roupa nova, desenhada e costurada por famosos estilistas, ela é mais emendada do que macacão de pobre. Está mais para corvo, do que para colibri. Seu estilista: o famoso estelionatário do Plano Cruzado. Quanto pior o povo estiver, mais fácil espoliá-lo.  O banquete, cujo prato é Zé Carioca ao molho bárbaro, permanece na mesa, à disposição.
Dona de precária técnica jurídica, sequer alguma coerência política, o arremedo constitucional é conseqüência do estupendo golpe cruzado sofrido pela Nação. A parca engrenagem passou a girar justamente quando o executivo brasileiro, não o português, propiciava que o boi magro valesse mais do que o gordo, e o carro usado mais caro do que 0 Km. O único artigo que defendia a Nação, foi considerado enxêrto, por isso maculado de imediato sem a menor cerimônia: a limitação dos juros à taxa de doze por cento ao ano, não ao mês, como sói acontecer nesta terra de símios e aves bicudas. De fato, taxas de juros não devem compor constituições, mas regramentos trabalhistas e sociais, também não. E a divisão de tarefas e prerrogativas oficiais deve ocupar apenas um acento, ou mesmo ir de pé, deixando vagos os demais lugares aos infortunados passageiros. Para completar, o relator não teve escrúpulos em confessar perante a Nação que levou o texto para casa, alterando os artigos que convinha à sua grei. 
Ainda que contenha argumentos sociais e até econômicos, (estes são apenas isso mesmo, argumentos, mas não ações, sequer deliberações), nossa Lei Maior é como um travesti marciano. Perdõe a despudorada comparação. Nada contra travestis, muito menos se de outro planeta, mas o realce é mister: tal corpo é esculpido com traços socialistas, braços fascistas, lábios parlamentaristas, abraços às causas sociais, alcunhada cidadã. Tudo integrado. A gente se desintegra.
Na ocasião caia o muro, de podre. A constituinte colheu o ensejo, e se apresentou com o mais moderno figurino, extraído da bandeira do cidadão, do indivíduo. A função maior, todavia, a defesa do indivíduo, do eleitor, encontra-se ao máximo reduzida. É só bandeira, mesmo. Slogan. Rótulo. Por dentro ela se auto-anula. Invoca extenso rol de composições burocráticas, reservando um diminuto espaço aos estados e menor ainda aos municípios. Apresenta-se democrática, mas deixa as pernas fascistas à mostra. A Cidadã, é uma constituição vilã.
Os feitores tinham a consciência do mal. Pediram expressas desculpas, nas disposições transitórias. Não eram sinceras. Para "reparar" a atrocidade, contrabandearam da Itália, (de novo!) um dispositivo chamado provisório. Mais uma vez enganaram, e continuam, descaradamente. Quase todas as milhares de medidas são permanentes. O país é provisório, porém permanentemente provisório, vê se pode. Também quase todas (aliás não sei de nenhuma que não o seja) são de interesse exclusivo do titular do poder executivo, um disparate consentido na Inglaterra, mas só até 1689, e até ao século XVIII nos Estados Unidos e alhures.
O país da Sorbonne marchou com Napoleão. A Terra que se diz do Galo, como o Brasil, fez um monte de constituições. Todas demonstram o apreço à ficção. Eis a razão do paradoxal lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade: "me engana que eu gosto". É para inglês ver. Ele vê, e ri. Até o vizinho da frente sabe: liberdade, per se, exclui a igualdade, ora pois! Franceses, como de resto latinos, adoram cantos de galo, e de sereia. E, ultimamente até de símios e aves bicudas.
Enquanto nossos compatriotas não possuírem os talentos e as virtudes políticas que distinguem nossos irmãos do Norte, os sistemas inteiramente populares, longe de nos serem favoráveis, receio que virão a ser nossa ruína. SIMON BOLÍVAR, em Carta a um cavalheiro que tinha grande interesse na causa repúblicana na América do Sul, 1815
Pois continuamos atrelados a um Leviathan mais faminto do que qualquer reinado, por isso impondo contratos sociais, positivismos e tal, tudo dentro da "ordem" para haver "progresso", só não se sabe de quem. Alienamos nossas existências ao sabor de medíocres interesses de exércitos partidários, ou melhor, de generais sem farda.
A Medida Provisória é mais eficaz do que qualquer baioneta. Atos institucionais foram meros trombadinhas. Tanto quanto os decretos tão repudiados, a MP é instrumento vil, completamente apartado do princípio da democracia. É avessa à divisão de poder. Como se não bastasse, os líderes das “diretas já” de fato pregaram e cumpriram: enfiaram uma série de golpes por sobre a face do povo que os elegeu. (Se é que de fato os elegeu, posto as eletrônicas não permitirem nenhuma conferência.) Tantas maracutaias impunes só poderiam desaguar no que se vê: nossas leis, já há mais de uma década, espelham votos vendidos, pagos à prestação, em polpudo mensalão.
Nosso texto constitucional prima por tosca caricatura humanista. Pelo espelho se vê o rabo do macaco. Pela frente, o grande bico, para abiscoitar esquálidos.
Volta, Geraldo Vandré. Vem, vamos embora, que esperar não é saber!

Nenhum comentário:

Postar um comentário