quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A introdução do positivismo como "ciência"


Herdam-se as leis e os direitos em profusão. Como uma eterna doença que segue sem parar, elas se arrastam de geração a geração, e se vão suave de lugar para lugar. Bom senso torna-se bobagem; benefício, tormento. Mefistótofoles, in GOETHE, Fausto: 65
 
Quem se der conta com clareza de como depois de Sócrates, o mistagogo da ciência, uma escola de filósofos sucede a outra, qual onda após onda, de como uma universalidade jamais pressentida de avidez de saber, no mais remoto âmbito do mundo civilizado, e enquanto efetivo dever para com todo homem altamente capacitado, conduziu a ciência ao alto-mar... .não poderá deixar de enxergar em Sócrates um ponto de inflexão e um vértice da assim chamada história universal. NIETZSCHE, F., O nascimento da tragédia: 92
Grosso modo ele remonta à antigüidade. Confunde-se com a formação das nações. A disposição alcança todas as ciências, mas foi pela codificação legal que o positivismo ficou caracterizado.
O positivismo é um rótulo novo, para uma nova fase de desenvolvimento do empirismo. Nasceu o nome em 1830 na Escola do socialista utópico Saint-Simon (1760-1825), e ganhou fortuna com Augusto Comte, o pensador protótipo do movimento, sobretudo na França. Derivado do latim positum (o que está posto, situado), significa descritivamente o que se observa, ou experimenta. http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/novo/2216y840.htm
Podemos identificar seu longínquo esboço no Código de Hamurabi, da Mesopotâmia. Data por volta de 1700 a.C.. Trata-se de uma bula prescrita em rocha de diorito, sobre o qual se dispõem 46 colunas, uma cuneiforme acádica com 281 leis, em 3.600 linhas. Mas foi mesmo na Grécia que a impostura tomu corpo, ao gáudio dos Trinta Tiranos de Athenas:
Ao legislador não podemos, em nenhum ponto, lhe recusar a nossa, fé; e assim será também quando nos assegura ser a alma algo de completamente diferente do corpo e que, na vida, é justamente a alma, e não outro ser, que nos torna a cada um de nós o que propriamente somos. O corpo, pelo contrário, nos segue a cada um somente como uma espécie de sombra, dizendo-se, por isso, com razão que, sobrevindo a morte, os cadáveres não são mais do que simulacros dos mortos; pois, o verdadeiro homem é um ser imortal, cujo nome próprio é a alma, que entra na comunhão dos deuses para dar contas de si. PLATÃO Leis, 959
A Lei das Doze Tábuas veio bem depois, na vingança do Império Romano. Quando a Europa tomou ciência dos Dez Mandamentos, o Império foi tomado pelo exército da salvação, assim alargando as fronteiras de Roma pelo amor, em vez do terror.
Outro exemplo de Ser Positivo é o 'Deus Organizador', em que a divindade (ou divindades) exerce o papel de controlador da oposição primordial entre Ordem e Caos. O Caos representa o Mal, a desordem, e é simbolizado em vários mitos por monstros como serpentes ou dragões, ou simplesmente deuses maléficos que lutam contra outros deuses em batalhas cósmicas relatadas muitas vezes em textos épicos, como no caso do Eubuma elis dos babilônios. GLEISER, M., A Dança do Universo Dos Mitos de Criação ao Big-Bang: 31
Ao longo do longo período feudal reinou certa harmonia, na coincidência:
Até o Renascimento, o Ocidente praticamente desconhecia Platão. Mas alguns manuscritos gregos, comprados em Constantinopla,mudaram esse cenário. Entre eles, levados a Florença em meados de 1430, estava nada mais nada menos do que a obra completa de Platão. ABRÃO, B.: 136
Maquiavel foi o primeiro a reutilizar o veneno. Thomas Hobbes importou a clonagem florentina para ofertá-la a Cromwell, mas a Revolução Gloriosa varreu o embuste de volta ao continente. (O farol de Shaftesbury) Malgrado o enorme esforço enciclopédico, os francos preferiram revigorar a artimanha.
É representado pelas pressões exercidas pelo regime napoleônico sobre os estabelecimentos reorganizados de ensino superior do direito (as velhas Faculdades de Direito haviam sido substituídas pelas escolas centrais por obra da República, transformadas posteriormente sob o Império em Escolas de Direito e colocadas sob o contrôle direto das autoridades políticas) a fim de que fosse ensinado somente o direito positivo e se deixasse de lado as teorias gerais do direito o jusnaturalismo porque inútil e perigoso aos olhos do autoritário governo napoleônico. BOBBIO, N., 1995: 81.   
O desmando totalitarista motivou facilmente a platônico-cartesiana Paris “também capital da astrologia, medicina marginal e religiosidade pseudo-científica". (JOHNSON, Paul: 119):
A filosofia francesa esteve sempre estreitamente ligada à ciência positiva. Os filósofos franceses não escrevem para um círculo restrito de iniciados; eles se dirigem à humanidade em geral. Mas a mais potente das influências exercidas sobre o espírito humano desde Descartes, - de qualquer maneira aliás, que a julguemos, - é incontestavelmente a de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) A reforma que ele operou no domínio do pensamento prático foi tão radical quanto havia sido a de Descartes no domínio da especulação pura. Ele também recoloca tudo em questão; ele quis remodelar a sociedade, a moral, a educação, a vida inteira do homem sobre princípios "naturais". Henri Bergson
É preciso que o Estado governe em acordo com as regras de ordem essencial', diz Mercier de la Rivière, 'e então deve ser todo-poderoso'. Segundo os economistas, o Estado não deve unicamente comandar a nação, também deve formá-la de uma certa maneira; cabe-lhe moldar o próprio espírito dos cidadãos, enchê-lo com certas idéias e fornecer ao seu coração certos sentimentos que julga necessário. Na realidade, não existem limites aos seus direitos nem ao que pode fazer; não reforma simplesmente os homens, quer transformá-los; talvez, se o quisesse, poderia fabricar outros! 'O Estado faz dos homens tudo o que quer', diz Bodeau. Esta frase resume todas suas teorias. TOCQUEVILLE, A, O Antigo Regime e a Revolução: 157
Restava o lamento-predição de ninguém menos do que MONTESQUIEU (Cartas Persas de 1717: 241):
Aqueles que cobram impostos nadam sobre tesouros. entre eles há poucos Tântalos. Começam, no entanto, esse trabalho na mais completa miséria. São desprezados como lama quando são pobres; quando ricos, são muito estimados; por isso não negligenciam em nada para conquistar a estima... A instituição dos lacaios é mais respeitável na França que em qualquer outro lugar...
No tempo daqueles artífices, a vela continuava rainha da noite, e a fé permanecia “iluminando” os pobres mortais, malgrado o enterro da presunção geocêntrica. Quando a vela caia, e incendiava tudo, nada era culpa de Deus. Ele não tapeia suas criaturas. Os equívocos advém do “gênio mau”, “manhoso e enganador”, sempre empenhado no seu papel, o diabo caricaturado na Meditação Primeira, de Descartes, meditação deveras primária. Como o Grande Relojoeiro fizera tudo com maestria, cabia ao homem a desmontagem, a descobrir seus segredos.
O Deus cartesiano nos dá algumas idéias claras e precisas que nos permite encontrar a verdade, "desde que nos atenhamos a elas e não nos deixeis cair no erro". "O erro, o Mal entra pelo corpo, transforma o divino Bem da alma", e isso já ensinara Platão: “A terra, ou seja, a matéria, é contraposta à verdadeira natureza da alma, quer dizer, ao seu ‘ser boa’. A matéria representa o mal.” (Cit. Kelsen, 1998: 3)  Tornado em Regras para Direção do Espírito*, lá se foi o trem à direção riscada. "Não é um simples acaso que a idéia cartesiana de Deus como legislador do universo se desenvolva somente quarenta anos depois da teoria da soberania de Jean Bodin".(ZILSEI, E., The sociological roote of science, The American Journal of Sociology
A má tese, ou a má temática, a "quantofrenia", conforme Sorokin, ou a "aritmomania", como diz Georgescu-Roegens, coroou o homo faber tal homo mathematicus. O universo-máquina, que ainda tinha alma, passou a ser ‘um vasto sistema matemático de matéria em movimento’, um ‘universo material (onde) tudo funciona mecanicamente, segundo as leis matemáticas.’Deus nos fizera à sua imagem e semelhança. Só poderíamos ocupar o centro do Universo. O Renascimento liquidou com a pretensão, em troca dessa outra: “Galileu partiu da observação de fatos isolados para o estabelecimento de leis rigorosas que permitiam a previsão dos acontecimentos futuros. Em essência é a isso que se chama método científico”. (NOBREGA, C.: 38)  Tal Zenith restringia invariavelmente o ser e até seu objeto. A linha do progresso é apenas projeção ideológica, metafísica, desprovida de racionalidade por pecado epistemológico. Desde Platão, e especialmente a partir de Newton, entretanto, o sonho de acertar na loteria fascina a espécie humana. A premissa sugeria que, com alguma informação, seria possível identificar o pretérito, e, a partir daí, determinar o futuro: "A mecânica de Newton promete um poder de previsão vastíssimo que faz com que um instante forneça todas as informações possíveis sobre o passado e o futuro do Universo. (COVENEY, Peter e HIGHFIELD Roger: 24)
Dois séculos depois, ainda viria La Place (Rohmann, C.,p.107): “Uma inteligência suficiente suficiente, conhecendo as leis da física e a velocidade e a posição de cada partícula do universo, conseguiria prever seu futuro completo.” A moda, pois, requeria “newtons” em todas as áreas:
Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual comparava-se o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes. ZOHAR, D., 2000: 23.
Hobbes, que havia freqüentado assiduamente a corte fazendo-se passar por matemático (mesmo que pouco soubesse dessa disciplina) se desgostou ali, regressou à Inglaterra nos tempos de Cromwell e publicou uma obra muito malvada, de título muito raro: The Leviathan. Sua tese principal era de que todos os homens atuam devido a uma necessidade absoluta, tese apoiada, aparentemente, pela doutrina dos decretos absolutos, doutrina de geral aceitação nesses tempos. Sustentava que o interesse e o mêdo eram os princípios fundamentais da sociedade. BRETT, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 14
 O essencial para Hobbes não era a desmistificacão do poder, mas antes a representação da ordem política como um gigantesco autômata, que autorizaria a intervenção de técnicos qualificados. Governantes sensatos, inspirados pela razão científica, poderiam modificar o curso da vida social num sentido favorável a maioria dos interessados. BASTOS, Wilson de Lima: 173.
Para tanto, nada mais exato do que a matemática, a geometria, aquela que ele mesmo diz ser “a única ciência que até agora Deus quis presentear o gênero humano cujas conclusões tornaram-se atualmente indiscutíveis.” (BOBBIO, N;, Thomas Hobbes: 29)
No modelo proposto por Descartes e seguido por Hobbes, a geometria era a única ciência que Deus houve por bem até hoje conceder à humanidade. Retomava-se Galileu, para que a língua da natureza era a matemática. O pensamento moderno é assim marcado por este ritual do pensamento a que logo se opôs Pascal com o chamado esprit de finesse. A matematização do universo desenvolve-se com Newton e atinge as suas culminâncias em Comte. Nos Estatutos pombalinos da Universidade, determinou-se expressamente que os professores usassem do e.g. para poder discorrer com ordem, precisão, certeza. Respublica, JAM
O protótipo mecanicista-social veio no Short Tract on First Principles, de 1630 ( cit. ALQUIÉ, Ferdinand: 75) “À maneira de Descartes, mas antes de Descartes, conforme prova claramente esta obra, ele concebe o mundo nos termos de um estrito mecanismo, em termos de movimentos que caracterizam corpos definidos pela sua extensão e forma.”
Em 1651 Hobbes apresentou o resultado dos mirabolantes cálculos, intitulado The Leviathan. Em fins do mesmo ano, consagrar-se-ia pioneiro da sociologia positivista, ao galante de Cromwell: “De volta à Inglaterra, tornou-se um dos precursores do materialismo positivista, considerando a filosofia como uma espécie de matemática, que soma, subtrai, combina e separa as coisas suscetíveis dessas operações.” (BOBBIO, N., Thomas Hobbes: 76)
Até Engels (Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico: 9) pode reconhecer suas raízes:
Hobbes sistematiza o materialismo de Bacon. A sensoriedade perde seu brilho e converte-se na sensoriedade abstrata do geômetra. O movimento físico sacrifica-se ao movimento mecânico ou matemático, a geometria é proclamada à ciência fundamental.
A bandeira do altruísmo social, protótipo da ética geométrica, (!?) sensibilizaria gerações, formaria incontáveis partidos s"sociais" graças ao mais ferrenho defensor do “utilitarismo”, o também britânico Jeremy Bentham, Bentham, J.. (cit. BOBBIO N.; CARDIM, C.H.: 128) "incansável e infeliz autor de projetos legislativos que deveriam instaurar o reino da felicidade sobre a terra."
Stuart Mill (cit. idem,  Democracia e Liberalismo: 71) igualmente viu na cisão uma oportunidade de ascender ao galardão. Sofria, claramente, da moléstia platônico-cartesiana-hegeliana-malthusiana-darwineana:
Nenhuma comunidade jamais conseguiu progredir senão aquelas em que se desenvolveu um conflito entre o poder mais forte e alguns poderes rivais; entre as autoridades espirituais e as temporais; entre as classes militares ou territoriais e as trabalhadoras; entre o rei e o povo; entre ortodoxos e os reformadores religiosos.
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A culpa inicial cabe a Descartes. Ele foi o primeiro a negar a sabedoria inconsciente, persuadindo-nos de que só o que era demonstrável, era verdadeiro. Rousseau substituiu-o, imaginando que não havia leis fora das desejadas pelo homem. Finalmente veio Augusto Comte, que instalou de vez a universidade no positivismo, fez as ciências humanas oscilarem para a sociologia e eliminou todo o ensinamento sério da economia. SORMAN, Guy
Depois de ter percorrido o círculo estreito do seu vão saber, é necessário acabar por onde Descartes começara. Eu penso, logo existo. Eis tudo o que sabemos. J.J. Rousseau
Por tudo Miguel Reale (1998: 161) rotula o genebrino: “o Descartes da política.” Rousseau era mesmo coerente com o pensamento do pretensioso patrício: "Este pensador peculiar - embora freqüentemente considerado irracionalista ou romântico - também se apoiou no pensamento cartesiano e dele dependeu fundamentalmente." (Hayek, 1995: 74) Sartre (1978: 114) bem identificou o liame:
É assim que o cartesianismo, no século, XVIII, aparece sob dois aspectos indissolúveis e complementares: de um lado, como Idéia da Razão, como método analítico, inspira Holbach, Helvetius, Diderot, o próprio Rousseau; é ele que encontramos na fonte dos panfletos anti-religiosos assim como na origem do materialismo mecanicista.
A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isto fica sendo a minha última e mais elevada descoberta. NEWTON, Isaac. Principia, Book III . Newton’s Philosophy of Nature: Selections from his writings. Nova Iorque: H.S. Thayer, Hafner Library of Classics: 1953
Newton nada descobriu. Aliás, quando uma suposição não se coadunava com a realidade, ele mascarava a realidade para manter seu cálculo. Era cambridgeano, neoplatônico. Interessado no poder, cujo ápice logrou alcançar pela designação de chefe da casa da moeda inglesa. O articulador apenas adequou a proposta bíblica da passagem do tempo, com o edifício científico também construído pelo molde grego, cujas colunas se devem a Copérnico, Galileu, Bacon, Descartes, de certo modo até por Hobbes, mesmo Kepler, e Ticho Brahe. Segundo o talhe importado, o universo, e por conseguinte a ciência, evoluia por jogo de forças, num universo todo dialético, conjectura metafísica que nos remete a primaz divisão entre corpo e alma. Como não havia, e sequer cogitada outra hipótese, lá se foi a humanidade a escorregar pelo imenso tobogã. No campo político, ao consagrar Descartes, Newton automaticamente referendou as postulações de Rousseau, a prevalência da força máxima expressada pela Vontade Geral. Daí a Hegel era só atravessar o front. A Coruja de Minerva levou a dialética ao extremo, ensejando a reação.
A lei era vista como imutável porque era ancorada na natureza, assim como a vontade da comunidade: os legisladores e juristas tinham meramente que averiguar o que ela era e como aplicá-la a situações concretas. O surgimento, no final do século XVIII, do 'historicismo', que dizia que as instituições humanas estavam sempre evoluindo, mudou essa visão tradicional da lei. Passou a se reconhecer que, como tudo o que se relacionava com o ser humano era resultado da vontade, tudo o que se relacionava com o ser humano era capaz de ser alterado - e aperfeiçoado - por meio da educação e da legislação. Foi Bentham, mais do que qualquer outro pensador, que popularizou a noção de que as leis podem solucionar qualquer mal social. PIPES, R.: 269
Se havia a contraposição de vetores, por isso confuso, cabia às ciências humanas optarem pela precisão cronométrica, descartando a dúvida, e com ela, qualquer negativismo. Destarte surgiu o núcleo pretensamente cientificista-positivista, na verdade mera técnica de controle social, cujo efeito se espraiou a todos os ramos acadêmicos, para retornar à própria física, através da aventura lógica levada à cabo em Viena, na década que precipitou as maiores ditaduras que o mundo suportou. Nada ao acaso.
A criação característica do século XIX foi precisamente o coletivismo, É a primeira idéia que inventa apenas nascido e que ao longo de cem anos não fez senão crescer até inundar todo o horizonte. Esta idéia é de origem francesa. Aparece pela primeira vez nos arquireacionários de Bonald e de Maistre. No essencial é imediatamente aceita por todos, sem outra exceção que não seja Benjamim Constant, um "atrasado" do século anterior. Mas triunfa em Saint-Simon, em Ballanche, em Comte e pulula por toda a parte . Por exemplo: um médico de Lyon, M. Amard, falará em 1821 do collectivisme em face do personnalisme . Leiam-se os artigos que em 1830 e 1831 publica L'Avenir contra o individualismo. GASSET, José Ortega Y, Rebelião das massas; Prólogo aos franceses.
ISIDORE AUGUSTE FRANÇOIS XAVIER COMTE (Montpellier, 19 de janeiro de 1798Paris, 5 de setembro1857) pegou carona na onda. No Cartório da Carochinha o arauto lavrou registro: "pai" da Sociologia e fundador do Positivismo. Não há testemunhas; apenas crentes. "O Filósofo, sucessor de Aristóteles e de Descartes, retomou o caminho de reformador social de sua mocidade e tornou-se Apóstolo e continuador de Moisés, Buda, Confúcio, São Paulo, Maomé, enfim, o verdadeiro Pontífice da Humanidade." (www.igrejapositivistabrasil.org.br) Comte foi, de fato, padrasto; mas, antes de tudo, apenas mais um charlatão:
Houve Augusto Comte. Pensava conhecer o futuro que estava reservado à humanidade. E, portanto, considerava-se o supremo legislador. Pretendia proibir certos estudos astronômicos por considerá-los inúteis. Planejava substituir o cristianismo por uma nova religião e chegou a escolher uma mulher para ocupar o lugar da Virgem. Comte pode ser desculpado, já que era louco, no sentido mesmo com que a patologia emprega este vocábulo. Mas como desculpar seus seguidores? VON MISES, Ludwig: 31
Aos aspirantes e titulares políticos tal "ciência" vinha a calhar. Para Renè Konig, (Soziologie heute, cit. GOLDMAN, Lucien, Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia: 40), professor das Universidades de Zurique e Colônia, ela se constituia em “elemento do processo de autodomesticação social da humanidade”. Eu suprimiria o auto, para acompanhar o Prof. A. PAIM ( UMA LÚCIDA ANÁLISE DO MARXISMO, 9/5/2010**):
Comte, como mais tarde faria Marx, falava em 'ditadura'. Ambos entendiam, por tal regime, uma estrutura governativa em que o poder executivo forte se pautasse pela ciência social, com total recusa à representação política e com o banimento de qualquer oposição.
As ações poderiam ser coloridas por crivo cientifico, portanto, obrigatoriamente aceitas. No conto de Comte a sociedade, a massa, também haveria de ser aquela expressão do relógio, em movimento homogêneo, linear, geométrico, euclidiano, cartesiano, exato e hierárquico. Variariam, apenas, intensidades. Todos os fenômenos, no diagnóstico do maior dos cientistas, “deveriam ter também uma explicação racional no sentido da mecânica”. Também uma ordem exata.
Onde as ideias de Comte mostraram seu maior impacto foi na política econômica. Dado que os militares tiveram um papel central na vida política brasileira e dado que o positivismo havia se tornado o principal paradigma filosófico das escolas militares, a política econômica do Brasil foi marcada por um frenesi intervencionista que afetou e ainda afeta todos os aspectos da vida dos cidadãos. A ideia do planejamento central para se atingir a modernidade transformou o Brasil em um ambiente fértil para o intervencionismo econômico, sendo que cada novo governo sempre promete o grande salto para frente. Ao invés de remover os obstáculos que impedem o desenvolvimento da iniciativa privada e garantir direitos de propriedade confiáveis, todos os governos presumem ser sua função desenvolver o país através da concessão de privilégios para um pequeno grupo de empresas já existentes.(http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=42)
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Hegel projetara um historicismo à maneira de Descartes: dividira o objeto, colocando as partes contrapostas. Augusto Comte descartou um lado desta dualidade. A discordância proveio do fato de que, enquanto o filósofo dos contrários solicita a contraposição das facetas e, do produto do choque estabelece sua lógica, o positivista encarava direto o lado mais interessante da medalha:
A. Comte atribui ao termo 'positivo', entre outras, a função de gerar certeza por oposição a indecisão; quando o emprega como contrário de negativo, Comte salienta que o positivo se destina, 'por sua própria natureza, não a destruir, mas a organizar'. Isto mostra que Comte não leva em conta a possibilidade de um negativismo técnico, tal qual proposto neste trabalho, sem essa carga axiológica pejorativa normalmente associada ao negativo e seus derivados. WITKOWSKI, Nicolas, Ciência e Tecnologia Hoje, por BERGÈ, Pierre, O Caos, manual do usuário: 275
“Em contraste, o conhecimento positivista relacionava-se a meras utilidades físicas, e carecia de uma associação às crenças santificadas pelos sacrifícios dos ancestrais e pelo culto dos contemporâneos. Dado o seu caráter limitado e concreto, êle era árido, rígido e frio.” (Dewey, John, p. 45)
O Plano dos Trabalhos Científicos Necessários para a Reorganização da Sociedade» (COMTE, Augusto, Reorganizar a Sociedade, Guimarães Editores, 4ª Ed., Lisboa, 2002, p. 146), datado de 1822, já saia decretando:

Toda a ciência tem por fim a previdência. Porque a aplicação geral das leis estabelecidas segundo a observação dos fenómenos tem por fim prever a respectiva sucessão. Na realidade, todos os homens, por pouco instruídos que os julguemos, fazem verdadeiras previsões, fundadas sempre sobre o mesmo princípio, o conhecimento do futuro pelo passado.(...) Está, portanto, evidentemente muito conforme com a natureza do espírito humano que a observação do passado possa facultar a predição do futuro, e que o possa fazer tanto em política como em astronomia, em física, em química e em fisiologia.
As academias vieram de roldão: 
O positivismo de orientação científica se destaca pela atenção à divisão das ciências. Preocupa-se com o fundamental, e portanto com o meramente físico; neste campo progridem especialmente os positivistas a nível de materialismo e evolucionismo. Na França o positivismo científico ocorre no mesmo Comte, como ainda no materialista Le Dantec; na Inglaterra é o caso do monismo evolucionista de Spencer e de Darwin. Na Alemanha o nome lembrado é o de Haeckel. Já o positivismo de orientação psicológica realça ao homem como sendo de uma natureza especial. Eis quando na França avulta o nome de Taine; na Inglaterra o de Stuart Mill; na Alemanha o de Wilhelm Wundt. Enfim, o positivismo de orientação sociológica se preocupa com a interação social dos homens a viverem em sociedade, tornando-se como que o produto da mesma. Eis a condição típica do positivismo de E. Durkheim.Curiosamente Comte, vítima de situações psíquicas, não considerou a psicologia como objeto de uma ciência específica. Mas será a psicologia que marcou a primeira grande diferença de diretriz no positivismo. Em 1878 Wundt criará na Alemanha um primeiro laboratório de psicologia em Leipzig, logo imitado por toda a parte. Ainda que a psicologia experimental, como ciência positiva, não implique em posição filosofica, ela amparou uma diretriz no positivismo, que por sua vez se redividiu em Escola Inglesa, na qual se destacou Stuart Mill, Escola alemã ou matemática, peculiar de Wundt, escola francesa ou dinamista, de Theodule Ribot. Finalmente aconteceu um positivismo, colocando em destaque o elemento social do homem, e que veio a ser conhecido pelo nome de sociologismo, inicializando na década de 1890 na França, com Emil Durkheim. (http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/novo/2216y840.htm).
A previsão racionalmente matematizada requeria apenas um simplório exame dos mecanismos percebidos como indutores do comportamento social. A “função positivista” era “descobrir”, de certa maneira “criar” leis de sucessão, coincidências elencadas da física e da biologia, analogias históricas, traduções (subjetiva, obviamente) de experiências e empirismos elaborados a partir da ordem hierárquica arranjada, enquadrante da Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia. Comte ainda identificou esta última com a Psicologia: "A psicologia seria uma ciência positiva como as demais, capaz de reger a moral e a política." (SOARES, M.P.:26)
Descreve-nos Alquié (Galileu, Descartes e o Mecanismo: 26.) : “As quatro ciências fundamentais que a inspiração positivista, evolucionista e pragmatista do séc. XIX aponta como classificação inabalável são a Físico-Química; a Biologia; a Psicologia e a Sociologia”. Dessarte, lá se foi o homem atrás do impossível:
Enquanto corrente filosófica, o positivismo influenciou diferentes produções humanas e situou-se em tradições culturais distintas: França (inseriu-se no racionalismo) - de Descartes a Auguste Comte; Inglaterra (tradição empirista e utilitarista) - John Stuart Mill e Herbert Spencer; Alemanha (cientificismo e monismo materialista) - Ernst Heckel e Jakob Moleschott; Itália (naturalismo renascentista) - Roberto Ardigò, e demarcou, antes de tudo, o espírito da época. SILVINO, Alexandre Magno Dias. Epistemologia positivista: qual a sua influência hoje?. Psicol. cienc. prof. [online]. jun. 2007, vol.27, no.2 [citado 12 Agosto 2008], p.276-289. Disponível na World Wide Web: . ISSN 1414-9893.
A partir do último terço do século XIX, sob a influência dos grandes trabalhos sociológicos de Augusto Comte (1798-1857), H. Spencer (1820-1903), Fouillèe (1858-1912), Tarde (1843-1904), Durkheim (1858-1917) e da escola sociológica desenvolve-se e organiza-se a orientação sociológico-econômica: certos economistas admitem, então, dever a economia política integrar-se na sociologia, a fim de prosseguir na sua linha de progresso. HUGON, Paul, História das Doutrinas Econômicas: 384
A socio logia encerrou o desatino com o paradogma de Max Weber (1864-1920), (Ciência e política: duas vocações: 30) na ilação importada do admirado Bacon: “Podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo.”
Não só a magia do mundo, como na própria vida: "O ideal do positivismo jurídico seria uma ordem jurídica tão bem elaborada, leis tão claras e tão completas que, no limite, a justiça pudesse ser administrada por um autômato.” (PERELMAN, C.: 69)
Em busca dessa falsa modernidade, dessa automatização, quedamos aos grilhões:
Querer encerrar todo o direito de um tempo ou de um povo nos parágrafos de um código é tão razoável quanto querer prender uma correnteza numa lagoa. Cada um desses códigos estará superado necessariamente pelo direito vivo, no momento em que estiver pronto, a cada dia ainda mais antiquado.
ERHLICH, Eugen, cit. COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 286
Maurice Duverger (p. 6.) também nos conforta. Não há mal que sempre dure:
Os positivistas do século passado chegavam, portanto, a negar a liberdade do homem, que eles consideravam como puramente ilusória, a fim de tornar possível a existência das ciências sociais. Engajavam-se assim em debates filosóficos sem conclusões. Estão hoje ultrapassados, pelo menos no que concerne às ciências sociais.
A festa da ilusão
Se, nas ciências sociais, o positivismo não tem resistido aos seus críticos, sucumbindo diante de metodologias mais modernas e sofisticadas, em vários outros campos científicos, particularmente nas ciências naturais e administrativas (que têm influência importante nas ciências da saúde), ele tem subsistido a ponto de ainda coincidir com o seu paradigma dominante CAMPOS, G.W. Os médicos e a política de saúde. - São Paulo, Hucitec, 1988 - www.scielosp.org/scielo
Há muito devíeríamos ter ultrapassado a quimera. No primeiro quarto do XX a insanidade coletiva atingia seu ápice, cadenciada pela valsa de Viena. Diante dos festejos, Einstein (cit. POPPER, K., A Lógica da Pesquisa Científica: 525) claramente advertiu:
Não me agrada absolutamente a tendência 'positivista' ora em moda (modishe), de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau desejado de precisão e penso que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observação, mas há que ser inventada.
O pessoal, contudo, permanecia refratário à percepção:

As discussões a respeito das fotografias de Crommelin e Eddington continuavam, às vezes acaloradamente. A teoria de Einstein, então extremamente difícil de ser entendida, não era aceita por muitos expoentes da ciência. Um deles, o eminente sábio Sir Oliver Lodge, abandonou o encontro em sinal de protesto. MACDONALD, Fiona, Albert Einstein: 7
Ernst Mach e o químico Wilhelm Oswald (cits. COVENEY, P. e HIGHFIELD, R.:57) garantiam: “Não pode haver significado nas declarações referentes a uma suposta teoria atômica, já que não temos meios de verificar diretamente a existência de átomos e moléculas.”
No quarto posterior, Hiroshima e Nagasaki foram sacrificadas à verificação.

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