segunda-feira, 10 de março de 2008

Sobre a tecnocracia


A economia não é uma ciência; é meramente uma política disfarçada.
Hanzel Henderson 1
.
A mística da estatística
VARIAÇÕES do PIB são medidas por estatísticas. (Diz o filósofo popular: estatísticas são quase como biquínis - mostram tudo, mas não o essencial). Os artífices supõem possível uma equalização. O número aproximado, todavia, só traduz mero palpite.Oferta de emprego, mão de obra disponível (como se trabalhadores fossem peças de estoque/reposição), capitais financeiros de estado, gigantescas, por isto incomensuráveis taxas de retorno, medições de renda, poupança, consumo, investimento, só faltando medir também o QI de inteligência de toda a população, lastreado na fria e dura, porém “científica” fórmula estatístico-matemática, servem a balizar pari passu os maquinistas dos rolos compressores. Metros, litros, quilogramas, quantidades, as quatro operações presumem-se suficientes, mas os dados aferidos jamais correspondem à realidade:
"Em nenhum outro campo da investigação empírica foram usados tantos mecanismos estatísticos de forma tão massiva e sofisticada e com resultados tão nulos." (2)
Roszac caracteriza o equívoco da conduta:

A tecnocracia é o regime dos especialistas - ou daqueles que podem empregar os especialistas. Entre as suas instituições mais basilares encontramos os centros de prospectiva, indústria de muitos bilhões de dólares que procura prever e integrar no planejamento social absolutamente tudo. Numa tal sociedade, o cidadão, confrontado por uma formidável complexidade, vê-se na necessidade de transferir todas as questões a peritos. Na realidade, agir de outra forma seria uma violação da razão, uma vez que, segundo o consenso geral, a meta primordial da sociedade consiste em manter a máquina produtiva funcionando eficientemente. Na ausência de especialização, o imenso mecanismo certamente emperraria, deixando-nos em meio ao caos e a miséria. As raízes da tecnocracia descem bem fundo em nosso passado cultural e acham-se presas a cosmovisão da tradição ocidental. (3)
A “política”, “disfarçada” nessa ciência expressa pelos padrões exclusivos da maquinaria financeira do Estado, dispensou conceitos éticos, a “vã filosofia”, e o Direito Natural:
Num sentido mais doutrinário, o direito administrativo ocupa-se daquelas situações em que uma das partes em um contrato legal - o governo - não só tem mais direitos do que a outra - o indivíduo - como também controla partes substanciais do próprio sistema legal responsável por dirimir eventuais conflitos de interesse. Neste sentido, ele permite tanto a advocacia de interesses privados junto ao Estado como uma tecnologia de montagem de instituições e procedimentos governamentais... Os advogados foram, portanto, políticos, profissionais e tecnocratas de alto nível, mas raramente uma intelligentsia no sentido mais clássico.
http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_05/rbcs05_03.htm
“O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético.” (4)
Jacques Ellul (The Technológical Society: 138.) sintetiza a desumanização carreada pelo radical pragmatismo:
A técnica exige previsibilidade e, em não menor grau, exatidão de previsão. É necessário, portanto, que a técnica prevaleça sobre o ser humano. Para a técnica isto é uma questão de vida ou morte. A técnica precisa reduzir o homem a um animal técnico, rei dos escravos da técnica. O capricho humano esboroa ante esta necessidade; não pode haver nenhuma autonomia humana face a autonomia técnica. É preciso que o indivíduo seja talhado por técnicas, quer negativamente (pelas técnicas de compreensão do homem) quer positivamente (pela adaptação do homem a estrutura técnica) a fim de se eliminar os defeitos que sua determinação pessoal introduz no projeto perfeito da organização.
Gusdorf também critica:
A tecnocracia rejeita a espontaneidade, auto-regulação e impulsividade animal como se tratasse de um veneno inoculado no corpo político. Ao invés disso, prefere metas e comportamentos que possam ser expressos em grandezas vastas e abstratas: poder nacional, alta produtividade e eficiente mercadização de massa, corrida espacial, elaboração de sistemas administrativos, etc. Para o tecnocrata, mais e sempre melhor, não importa de que, se de estudantes, informações, pessoal, publicações, mercadorias, serviços, impostos. Encontramos aí um sinal seguro de progresso. (5)
Adam Smith, há séculos, já condenava o torpe procedimento do Leviathan:
Após ter então agarrado cada membro da comunidade e tê-los moldado conforme a sua vontade, o poder supremo estende seus braços por sobre toda a comunidade. Ele cobre a superfície da sociedade com uma teia de normas complicadas, diminutas e uniformes, através das quais as mentes mais brilhantes e as personalidades mais fortes não podem penetrar, para sobressaírem no meio da multidão. A vontade do homem não é destruída, mas amolecida, dobrada, guiada; os homens raramente são forçados a agir, mas constantemente impedidos de atuar; tal poder não destrói, mas previne a existência; ele não tiraniza, mas comprime, enerva, ofusca e estupefaz um povo, até que cada nação seja reduzida a nada além de um rebanho de animais tímidos e trabalhadores, cujo pastor é o govêrno. (6)
Pilzer empresta a qualificação :
“Não é de causar espanto que a economia seja, com freqüência, chamada de “triste ciência!” (7)
Existe máquina capaz de calcular tantas oscilações? É mesmo tão necessária assim?
Marilyn Ferguson, entre tantos, entende que não:
Os índices da economia são muitas vezes enganosos. Por exemplo, os números do Produto Nacional Bruto incluem os gastos para o tratamento de doenças, reparo de veículos acidentados e eliminação dos fatores de poluição; isto é, estamos medindo atividades e não verdadeiramente a produção. E cada vez mais evidente que os esforços para controlar, explicar e compreender a economia são completamente inadequados. (8)
Será que um supercomputador da burocracia da próxima década atingirá alguma precisão sobre a virtualidade? Será que tal intento será viável por causa da sociedade permanecer atada pela opressão financeira e comportamental?
A resposta continuará negativa:
Entre a teoria dos quanta, que sustenta o edifício científico da idade atômica e o pensamento dos economistas e filósofos, marxistas e tecnocratas, parece terem decorrido séculos. Já não falam a mesma língua. Já não têm nem uma idéia comum.
(Eric Kraemer, La grand mutation; cit. Goytisolo: 69).
Nunca terão.
A política, educação, lazer, entretenimento, a cultura como um todo, os impulsos inconscientes e até mesmo, como veremos, o protesto contra a tecnocracia - tudo se torna objeto de exame e de manipulação puramente técnicos. O que se procura criar é um novo organismo social cuja saúde dependa de sua capacidade para manter o coração tecnológico batendo regularmente.
Roszac, Theodore: 19.
"Os sistemas matemáticos não podem dar conta de todas as verdades matemáticas; haverá sempre um conjunto de axiomas que estará fora de seu sistema." (Ciro Marcondes Filho)
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Para escapulir dos grilhões
O verdadeiro gerenciamento da economia do país reside na busca incessante de formas que permitam o funcionamento mais livre não só do sistema de preços, como do restante da economia nacional, com a respectiva eliminação das barreiras de mercado, pois elas tolhem a livre competição entre as empresas e premiam a ineficiência e o desperdício, impedindo que a economia otimize resultados, obtenha um melhor nível de produção e emprego e minimize o período de tempo necessário a recomposição dos desajustes. (9)
Naisbitt não destoa:
“Onde existe crescimento econômico, estão também emergindo mais formas de governo de livre mercado - uma aceitação do fato de que as pessoas, e não a determinação política, criam a oportunidade econômica.”(10)
As confusões originariamente propostas pelos “economistas políticos” Rousseau, Malthus, Bentham, David Ricardo, Stuart Mill, e terrivelmente sofisticadas por Marx não deveriam merecer mesmo a atenção que despertaram. A interpretação de Marx, em virtude dessas fraquezas estruturais da teoria do valor desemboca inevitavelmente numa interpretação reducionista, porque economicista das sociedades capitalistas desenvolvidas.
Habermas assim lamentou:
“Os esquemas da racionalidade econômica e administrativa invadem os domínios tradicionalmente reservados à espontaneidade moral ou estética.” (11)
Objetivos e conseqüências são cristalinos:
A viciosidade peculiar do racionalismo é que ele destrói o próprio conhecimento que possivelmente viria salvá-lo de si próprio, ou seja, o conhecimento concreto ou tradicional. O racionalismo serve apenas para aprofundar a inexperiência a partir do qual ele foi originalmente gerado.(4)
Einstein, mestre de todos os calculistas, não temeu condenar o calculismo:
“Estou firmemente convencido de que o desejo apaixonado de justiça e verdade fez mais por aperfeiçoar a condição do homem do que a argúcia política calculista que, a longo prazo, só engendra a desconfiança geral.” (12)
Teimamos, todavia, no desprezo ao elementar princípio:
Os cientistas políticos geralmente dão a impressão de estarem inclinados a considerar a política como uma espécie de técnica, comparável à engenharia, digamos, envolvendo a idéia de que as pessoas deveria ser tratadas pelos cientistas políticos mais ou menos da mesma forma com que os engenheiros lidam com máquinas e fábricas. A concepção engenheira da ciência política tem pouco ou nada em comum com a causa da liberdade individual. 13
Toffler reitera:
É a diversidade que conduz à associação; quanto mais perfeita é a organização social, quanto mais variado o exercício das faculdades físicas e intelectuais, tanto mais se acentuam os contrastes sociais mais se eleva o homem. (14)
Prigogine (15) ensina que “o sistema deve ser aberto, isto é, sujeito a uma troca de matéria e energia com sua vizinhança, movimentando-se de modo dinâmico, não-linear”. A política nasceu para libertar o homem; mas o político sói encerrá-lo. Impossível. No fim da linha, vem a rendição tecnocrata:

O problema essencial é que os nossos modelos tanto os de risco quanto os econométricos, por mais complexos que se tenham tornado, ainda assim são simples demais para capturar a ampla gama de variáveis que definem e propelem a realidade econômica mundial.(16)
Aprecie
A nomenklatura yankee
O espanto de Schumpeter
A prisca sapiência dos programas sociais
__________
Notas
1. Creating alternative futures, Nova York, Putnam, 1978, cit. Capra, F., Sabedoria Incomum, Conversas com pessoas notáveis, p. 191.
2. Wasaly Leontief, cit. Gleick: 120.
3. Roszac, Theodore, A Contracultura, p. 19/20
4. Leoni, B., p. 66.

5. Gusdorf, Georges,, p. 107.
6. Adam Smith, cit. Pioneiro, Caxias do Sul, 17 /10/1996.

7.Pilzer, Paul Zane, Deus quer que você enriqueça A teologia da economia, p. 35.
8. Ferguson, Marilyn, , p. 308.
9. Peringer, Alfredo Marcolin, p. 8.
10. P. 265.

11. Habermas, J., Entretiens avec le Monde, 1984, p. 222, cit. Japiassú, Hilton, Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje, p. 114.
12. Einstein, Albert, Escritos da Maturidade, p. 12.

13. Leoni, Bruno, A Liberdade e a Lei, p. 19.
14.Toffler e Toffler: 122.
15. cit. Anes: 108
16. Alan Greenspan; http://austriaco.blogspot.com


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