sábado, 8 de março de 2008

A selva e a civilização capitalista

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Nossas disposições nos habituaram de tal forma a pensar em chefe
como aquele que obriga, impõe e reprime, que durante muito tempo fomos
incapazes de perceber o papel do chefe selvagem: o de um promotor de paz."
Christian Descamps (1)

Existe apenas uma classe social que pensa mais em dinheiro do que os ricos. São os pobres. De fato, os pobres não conseguem pensar em mais nada.
Oscar Wilde (2)
A Selva

A CIÊNCIA POLÍTICA se resumia na estratégia de conquista e defesa de domínios. Somadas chances concorriam a propiciar a formação da massa, engrossada pelo êxodo rural. O desenvolvimento das linhas produtivas alavancava bruscas alterações em leis e costumes. Toffler chama de Segunda Onda a transição do modelo agrário à industrialização massificada:

As origens da civilização da Segunda Onda são controvertidas. Mas a vida não mudou fundamentalmente para um grande número de pessoas até aproximadamente trezentos anos. Foi quando surgiu a ciência newtoniana. É quando a máquina a vapor vem a ser utilizada pela primeira vez para fins econômicos e as primeiras fábricas começaram a proliferar pela Grã-Bretanha, França e Itália. Os camponeses começaram a se mudar para as cidades. Idéias arrojadas passaram a circular: idéia de progresso; a estranha doutrina de direitos individuais; a noção roussoniana de um contrato social; o secularismo; a separação da Igreja do estado; e a nova idéia de que os líderes deveriam ser escolhidos pela vontade popular, não por direito divino. (3)

Produção e organização, pelo contrato social, trituravam o indivíduo. O dedicado pesquisador e psicólogo Erich Fromm traduz algumas fatalidades das drásticas mudanças, independentemente de sexo, como batia Freud, ou de raça como prescrevera Nietzsche:
O administrador, como o trabalhador, como todo o mundo, lida com gigantes impessoais: com a gigantesca empresa competitiva; com os gigantescos mercados nacional e internacional; com o gigantesco consumidor, que precisa ser coagido e manipulado; com os gigantescos sindicatos; e com o gigantesco governo. Todos estes gigantes têm suas próprias vidas. Eles determinam a atividade do trabalhador e do funcionário. (4)

Para tudo fazer, para todos atender, mister que o poder tudo possa. E o cidadão, que nada possa: “O chefe deve mostrar constantemente o caminho ao povo, que não conhece sua verdadeira vontade; deve fazê-lo ver as coisas como elas são – ou como devem lhe parecer.” (5)
O gênero humano deveria ser protegido de suas próprias besteiras. Necessitava de guias, de leis, de grades e guilhotinas, velha técnica autoalimentadora aplicada. O Estado, além de fazer frente às catástrofes bélicas, internamente se apresentava capaz da incumbir-se da proteção, da “defesa do menos apto”, correlação autoritária evolutiva que seguia os novos termos científicos recém colocados em voga pelas lições dialético-darwinianas e soluções positivistas comteanas. Existiria uma espécie de selva capitalista onde, por Darwin e Marx, venceria o mais forte. A luta decisiva deveria ser travada na arena política, pelas conquistas sociais na certeza de que uma sociedade mais próspera e mais justa constrói-se por meio de leis e por meio de vontade política para fazer valerem tais leis, uma tese de meia-verdade. É inequívoco que não só a sociedade, porém tudo no universo prospera por leis que lhe são próprias, “leis naturais” não só porque não artificiais, mas também porque o homem não consegue alcançá-las. (E, caso alcance, não necessitará alterá-las. Caso haja um louco que entenda o contrário, será incapaz de modificá-las.) Mas o sentido da meia-verdade exposta, sempre ideológica, apresenta-se flagrantemente falso, embora de praticidade real. Tocqueville, cem anos antes de George Orwell, prognosticou a presença do Grande Irmão, o Estado:
É o único agente de felicidade; ele lhes proporciona segurança, prevê e supre suas necessidades, facilita-lhes os prazeres, manipula suas principais preocupações, dirige as indústrias, regula a transmissão de propriedades e subdivide as heranças - o que resta senão poupar-lhes todo o cuidado de pensar e a preocupação de viver? Assim, cada dia se torna o exercício da livre ação menos útil circunscreve a vontade em um âmbito mais reduzido. Ele cobre a superfície da sociedade com uma trama de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais as mentes mais originais e as personalidades mais dinâmicas não conseguem passar. A vontade do homem não é esfacelada, mas amaciada, dobrada e guiada. Um tal poder não tiraniza, mas oprime, enerva, extingue e entorpece um povo. A nação nada mais é do que um rebanho de animais trabalhadores e tímidos, dos quais o governo é o pastor. (6)

A civilização

O princípio da relatividade deve ser mais geral ainda - devemos procurar a diferença de tempo nas realizações biológicas e sociais, - o tempo local das espécies e dos grupos humanos. Isto nos poderá explicar muitos fenômenos que resistem às explicações atuais. Mas para conseguir tais fórmulas muito terá que lutar o espírito humano contra os preconceitos que o rodeiam e contra as obscuridades da matéria que irá estudar.
MIRANDA, Pontes de,
cit. MOREIRA: 103

As revoluções liberais foram abortadas; no entender do historiador, por “prematuras”. (7) A Suíça a tinha madura; quiçá por isso, pode formar o mais fulgurante e admirável exemplo liberal-democrático, causa elementar do progresso de seus cidadãos. Korontai se reporta:

Com o fim da guerra civil de 1847, os suíços decidiram-se por uma unidade econômica e por um estado federativo mais estruturado, que reconhece a autoridade dos cantões e municípios. Na Suíça existe uma unidade voluntária e inteligente que produziu uma das democracias mais avançadas do mundo. O resultado é a estabilidade econômica e uma renda per capita muito elevada, graças ao respeito à individualidade e ao controle constante das possíveis tendências centralizadoras. (8)

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Notas
1. Descamps, Christian, p. 38.
2. Cit. Chopra, D., Criando Prosperidade - A Consciência da Riqueza no Campo de todas as Possibilidades, p. 66.
3. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 31.
4. Fromm, E., Psicanálise da Sociedade Contemporânea cit. Clemens, John K. e Mayer, Douglas F., p. 170.
5. Rousseau, J. J., Contrato Social, cit. Koselleck, Reinhart, p. 142.
6. Tocqueville, Alex, cit. Ferguson, Marilyn, , p 184.
7. Remond, Rene, O Século XIX, p. 36.
6. Korontai, Thomas, p. 46/49.

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