domingo, 23 de março de 2008

Reação em cadeia


O ano de 1968 talvez haja constituído um divisor de águas: desde então assistimos ao progressivo refluxo da maré, o qual se acentuou em 1989/91. O século XXI poderá conhecer, após calamidades imprevisíveis - guerras, novas revoluções e catástrofes ecológicas - o princípio da reconstrução da ordem internacional, uma reorganização em escala mundial do Estado de Direito Liberal.
Embaixador Oswaldo de Meira Penna
POR ESSA ESPÉCIE de difusão atômica, as manifestações, embora não conscientemente combinadas, de origens e objetivos aleatórios, paradoxalmente foram simultâneas e espontaneamente encadeadas:
O que começou a aparecer em 1960 foi, na verdade, o surgimento da corrente de pensamento anarquista acompanhada de movimentos ativistas que surgiram entre os jovens de vários países da Europa e da América. Muitas vezes o nome não era o mesmo; muitas vezes a doutrina acabava diluída por outras correntes de pensamento radical; raramente houve a tentativa de reestabelecer a continuidade com algum movimento do passado. No entanto, a idéia ressurgiu, clara e facilmente reconhecível, em países tão diferentes quanto a Inglaterra e a Holanda, a França e os Estados Unidos. Ela conseguiu atrair seguidores numa escala nunca vista desde os dias que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Por toda a Inglaterra começaram a nascer grupos dedicados à prática de ação direta e à exploração de uma sociedade sem guerra nem violência e, portanto, sem coerção.
(Woodcock: 47)
Se lembrarmo-nos de que a trajetória da Revolução Gloriosa e mesmo o Iluminismo partiram dos Países Baixos, com Spinoza e Locke, energizando-se na Grã-Bretanha, para daí livrarem da obscuridade os Estados Unidos, com Jefferson e de certo modo a França, com Tocqueville e Montesquieu, embora esta descambasse, podemos registrar as coincidências:
Parece-me que o processo surpreendente de desafio à autoridade governante está absolutamente de acordo com a atmosfera geral da Revolução Liberal no mundo, a Segunda Revolução Gloriosa – que é uma Revolução contra uma classe ou um governo determinado, mas contra a própria idéia de governo e de sistema estatal hegemônico.
(Penna, 1997: 433)
O Futuro, de novo
Depois de três séculos chega, de novo, o futuro; e com ele as mudanças -  a começar pelos padrões científicos:
Nos anos 70, uns poucos cientistas nos Estados Unidos e Europa começaram a encontrar um caminho através da desordem. Eram matemáticos, físicos, biólogos, químicos, todos procurando conexões entre os diferentes tipos de irregularidades. Fisiólogos encontraram uma surpreendente ordem no caos que se desenvolve no coração humano, a causa da morte súbita inexplicada. Ecologistas exploraram a ascensão e queda das populações de mariposas-ciganas. Economistas desencavaram velhos dados sobre preços de ações. Os insights que emergiram levaram diretamente ao mundo natural - as formas das nuvens, os riscos dos relâmpagos, o entrelaçamento microscópico dos vasos sangüíneos, o ramalhete galáctico de estrelas.
(James Gleick, Chaos, cit. Lemkow: 161).
Na Bélgica, Prigogine acusava a importância da não-linearidade; Herman Haken a verificava nos estudos sobre laser e Manfred Eigen dedicava-se aos fenômenos catalíticos; no Chile, Humberto Maturana ratificava a auto-organização dos sistemas vivos, o que chamou de autopoiese; o químico James Lovelock descobria que o planeta Terra é um sistema vivo, auto-organizado, verificando que a atmosfera se constitui num sistema aberto, permeado por constante fluxo de energia e matéria, o que é conhecido como Gaia; Heinz vo Foerster, nos EUA, montava uma rede de pesquisas interdisciplinares para investigar auto-organizações; Thomas Kuhn apresentava The Structure of Scientific Revolutions; Roszac detectava a contracultura, e Abraham Maslow (cit. Ferguson: 54) propunha a feliz analogia:
"É cada vez mais claro que uma revolução filosófica se encontra em marcha. Um sistema abrangente está se desenvolvendo com rapidez, como uma árvore que começa a dar frutos em todos os seus galhos ao mesmo tempo"
E o que dizer da precoce consciência de John Muir (1838-1914) (cit. Gleiser, M., 2001: 317): "Cada vez que tocamos algo na Natureza, causamos reverberações no resto do universo”.
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Mercado sem marca
O número de fatores que compõem o mercado é muito maior do que a soma de seus habitantes. Estes ainda variam em tudo. A forma de conhecê-los não admite cálculo antecipado. A resposta será tanto mais precisa quanto maior for a liberdade dos agentes:
A teoria do caos não só fornece uma explicação para as flutuações de uma economia de mercado, mas também demonstra que o Estado não tem o conhecimento necessário para adotar as medidas anticíclicas corretas. Na medida em que é extremamente baixa a probabilidade de se alcançar um estado final desejado em um mundo caótico, é difícil enxergar como o governo poderia especificar uma política para atingir esse objetivo, a não ser por acaso.
(Rosser, J.B. Jr., Chaos Theory and New Keynesian Economics, The Manchester School, Vol. 58, n. 3: 265-291, 1990; cit. Parker e Stacey: 95).
A expansão é simplificadora: "O fato significativo é que estamos, agora, deslocando-nos para futuras formas poderosas de processamento de conhecimento que são profundamente antiburocráticos." (Toffler, 1992: 199).

Como o próprio conhecimento é organizado relacionalmente ou na forma de hipermeios - significando que pode ser constantemente reconfigurado - a organização tem de se tornar hiperflexível. É por isso que uma economia de firmas pequenas, que interagem, reunindo-se em mosaicos temporários, é mais adaptável e, em última análise, mais produtiva do que uma outra construída em torno de uns poucos monolitos rígidos.
(Idem: 250).
A humanidade está emergindo de uma reação em cadeia de causa e efeito que se estende por bilhões de anos no passado. Agora a espécie tem o poder de afetar sua própria evolução através da escolha consciente. As pessoas hoje sabem mais do que nunca. Rádios, televisores, computadores, telefones, copiadoras se espalharam pelo globo em um século. Nenhuma geração pode acrescentar essas coisas aos jornais, revistas e as artes. O nosso é um tempo de possibilidades ilimitadas para intercâmbio, interação entre culturas, viagens e aprendizado. Pensar globalmente exige a descoberta da relação certa entre indivíduo e a comunidade global. Nenhum deles é insignificante. Deve haver uma relação saudável entre comunidade, ordem social, o todo e o indivíduo.
(Lemkow: 382).
A Interdependência
Ortega Y Gasset tem sua célebre oração cantada aos quatro ventos: “Eu sou eu e minhas circunstâncias” - mas muitos a desconhecem de modo integral, e suprimem a constatação complementar e fundamental: “se não as salvo, também não me salvo” 
A mútua dependência, a interatividade entre o indivíduo e seu meio é inexorável, por qualquer ângulo, ou sob qualquer disciplina, mormente na ciência econômica:
A macropolítica, a macrocultura, a macroeconomia dependem da micropolítica, da microcultura, da microeconomia (em termos de seu respectivo âmbito, quantitativo ou extensivo), e aquelas não podem absorver estas sem sofrer as conseqüências que, ao fazê-lo, provocaria. A vida é interação das partes no todo.
(Goytisolo: 74)
Novas regras de conduta para as condições do paradoxo global estão começando a surgir. Essas regras novas se baseiam em nossas expectativas da conduta e comportamento individuais. Novamente partimos dos protagonistas menores do mundo a fim de criar as novas regras para a ordem econômica global em expansão.
(Naisbitt, Apresentação).

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