quarta-feira, 12 de março de 2008

O fim do cidadão


Quando você perceber que para produzir precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho; que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada e a honestidade se converte em auto-sacrifício, então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.
Ayn Rand
Em todos os séculos, os exemplos mais vis da natureza humana deparam-se entre os demagogos. Histoire de Jacques II, I, 843.cit. Gasset, Ortega Y, Rebelião das massas.

Ao aniquilar as representações partidárias em troca das formações sindicais, associações recreativas, juvenis, etc., o fascismo pode montar um novo circo, aparelho ideológico de extenso sucesso, ao gáudio do artista principal e dos partners. Tudo foi incansavelmente denunciado, especialmente pelos adeptos do marxismo científico como elemento básico, pedra de toque do execrado Estado. O interesse do eleitorado operário passava a se apresentar "mais diretamente defendido”, evitado o caminho tradicional por representantes gerais de diferentes extratos, regiões ou partidos. Reunidos em Congresso, os próprios trabalhadores, alinhados nas categorias profissionais, seriam capazes de melhor e mais rapidamente “gerirem” seus próprios interesses:
É perfettamente concepibile che un Consiglio Nazionale delle Corporazioni sostituisca in toto l’atuale Camera dei Deputati: la Camera dei Deputati e ormai anacronistica anche nel suo stesso titolo: e un istituto che noi abbiamo trovato e che e estraneo alla nostra mentalita e alla nostra passione di fascisti. (1)
O prof. W. Santos fornece o orçamento:
O preço dessa solução de engenharia utilizando a política social como mediação e amortecedor foi o divórcio prático entre o processo político-partidário e a dinâmica da competição entre empresariado e as classes trabalhadoras que se desenrolava dentro do aparelho do Estado. (2)
Ayn Rand desce a crítica aos pleitos jurídicos oriundos do corporativismo:
Um grupo, como tal, não tem direitos. Um homem não adquire novos direitos pelo fato de unir-se a um grupo, nem mesmo os perde pelo fato. O princípio dos direitos individuais é a única base moral de todos os grupos e associações. Todo grupo que desconheça este princípio não é uma associação, mas apenas um bando. (3)-
O adeus ao Direito
A modalidade totalitária foi de inédita eficiência. A motivação “tudo para o Estado, nada fora o Estado, nada contra o Estado” colocou a Itália num impressionante ritmo fabril, frenética preparação para o enfrentamento do vetor comunista. Nada mais importante. Às favas escrúpulos e instituições:
“Fiz minhas próprias regras e mesmo essas não respeitei.” (4)
Hume não hesitava em afirmar que regras de justiça não seriam naturais, mas artificiais. O professor Goffredo Telles salienta a diferença teórica que excede a questão de justiça, sublimando o caráter ético da fonte natural, ora pisoteada pelas tropas positivistas:
O Direito Objetivo é um Direito artificial. É um Direito que não exprime a realidade biótica da sociedade. É um Direito corrompido e corruptor. Ele forçará o surgimento de interações humanas à margem do campo de sua competência. Grande parte da vida social se processará fora de seus domínios. O Direito Natural é um Direito que não é artificial. É o Direito consentâneo com o sistema ético de referência, vigente em uma dada comunidade. (5)
A perversão se põe fatal:
A lei já não é um instrumento da justiça entendida em seu significado tradicional. É um meio dirigido à realização da concepção quantitativa da justiça que cuida de impor; um meio para transformar a sociedade conforme o modelo ideal que o legislador pretende instaurar. Aparecem assim as leis que em primeiro lugar pretendem iludir e mobilizar o povo, para que este caminhe gostosamente na direção - acertada ou não - que o governante deseja. E se a função de legislar se estima, ademais, como facere para realizar estas ilusões de transformar a sociedade ou de impor uma macro-justiça quantitativa: não resulta acaso a matematização como instrumento mais eficaz dessa pretensa macro-justiça? Mas como vimos antes, esta se realiza a custa de milhares de injustiças e da perda do sentido mesmo do justo e da virtude da justiça. (6)
Einstein reparou os maléficos efeitos desse maniqueísmo tecnocrático-legislativo:
O indivíduo tornou-se mais consciente que nunca de sua dependência para com a sociedade. Não vive essa dependência, contudo, como uma vantagem, um vínculo orgânico, uma força protetora, mas antes como uma ameaça a seus direitos naturais, ou até a sua existência econômica. (7)
A ameaça fez-se realidade, inúmeras vezes. O regime corporativo passou aceito como o último suspiro, a última forma política capaz de substituir a esterilidade democrática e obstaculizar a utópica e execrável ditadura do proletariado:
As idéias corporativas tiveram grande aceitação: receberam apoio da Encíclica Papal Quadragésimo Anno, de 1931, influenciaram decisivamente a doutrina do partido nazista alemão e de inúmeros outros movimentos fascistas em diversos países. No Brasil, foi notória a sua influência na década de 30, durante a ditadura de Getúlio Vargas. (8)
Temos muito o que varrer, antes de reconstruir.
A diferenciação teórica e prática entre democracia e autoritarismo nunca foi tão difícil de ser feita como hoje, na medida em que suas características antagônicas nem sempre se encontram separadas em regimes opostos, se não muitas vezes convivendo dentro do próprio regime democrático. Isto quer dizer que num sistema político onde seus dirigentes possuem impunidade para violarem a lei, não respeitando os direitos individuais ou das minorias, a vontade política da maioria expressada através do exercício eleitoral não pode ser considerada autenticamente democrática. O que garante a legitimidade democrática, em última instância, é o rigor do Estado de Direito. LEIS, Hector, O mandato democrático-autoritário do populismo contemporâneo. 28/1/2010 
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Notas
1.Mussolini, Benito, Lo Estato Corporativo.
2. Santos, Wanderley Guilherme, p. 33.
3. Rand, Ayn, Quem é John Galt, cit. Roberto Guinsburg Ochman, Zero Hora, 15/10/1995, p. 2.
4. Mussolini, Benito, cit. Faria, Octávio, Machiavel e o Brasil, p. 99.
5. Junior, Goffredo Telles, O Direito Quântico, p. 280.
6. Goytisolo, Juan Vallet de, , p. 155.
7. Einstein, Albert, Escritos da Maturidade, p. 133.
8. Stewart Jr., Donald, O Que é Liberalismo, p. 24.

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