segunda-feira, 10 de março de 2008

O fascismo entre os anglo-saxões

-

O receio da difusão marxista, o exitoso contra-veneno de Bismarck, e as constantes guerras indicavam aos países a adoção e até extrapolação das linhas assistenciais de saúde e previdência. Estatizaram-se ferrovias, linhas telefônicas, telegráficas e vários serviços. Donde vinham os recursos? Além de emissões sem lastro, taxações, para evitar maior inflação. Entre estas, a mais exitosa - o imposto de renda – de aparência justa, forarecentemente instituído nos países símbolos-liberais, aqueles que reverenciavam a riqueza e o lucro como a concretização do mérito, a realização plena do indivíduo, conseqüência do seu esforço e sucesso. Agora pagariam caro pela insolência.
Na Inglaterra
Malthus demonstrara que os recursos eram escassos. Marx apontava que os pobres só eram desgraçados porque os ricos tudo tomavam. O campo lavrado convinha aos novos pastores do pasto-verde.
Programa de pastor, todavia, jamais contemplará o rebanho. Ovelha nasce para ser tosqueada, e, no fim, colaborar com a própria carne. Então, para financiar o programa bélico, arrumar votos, preparar a Royal Navy (o interesse comum em ter os soldados leais e sadios) e mostrar-se “justo” por penalizar a classe abastada, em 1906 David Lloyd George (1863-1945) iniciou a sedução trabalhista. Macksoud se reporta:
O Trade Dispute Act conferiu aos sindicatos a liberação de toda a responsabilidade civil, inclusive pela perpetração dos mais graves prejuízos pelo sindicato ou seus funcionários, outorgando-lhes proteções, imunidades e privilégios não possuídos por quaisquer outras pessoas, constituídas ou não em associações. (3)
O estratagema demagógico se prestava a responder à “conscientização marxista”, ao mesmo tempo em que arrefecia a Revolução Proletária; esvaziava a bandeira, como ensinara Bismarck:
“Lloyd George foi o responsável, também, pela introdução dos primeiros auxílios-doença e benefícios trabalhistas.” (4)
Em 1909 o boy convence o parlamento. Para pagar toda a monumental soma advinda dos benefícios trabalhistas, os cidadãos mais abastados deveriam contribuir com parcelas de suas rendas e heranças. Para completar, as alíquotas foram diferenciadas. Quem tinha mais a perder, deveria contribuir na mesma proporção. (Com alíquotas diferenciadas, é fácil verificar que a proporção alterou-se para porção maior, como sói acontecer. Equação de rapina, para expor francamente.)
O “apoio popular” veio atraído para ser traído, como sempre.
Bertrand de Jouvanel se reportou ao episódio:
O início desse processo é por ele colocado em 1909/10, quando Lloyd George, o chefe do primeiro governo trabalhista britânico (Labour Party) introduziu uma legislação que criava o imposto de renda progressivo. O imposto deixava de ser igualitário e revelava uma verdadeira intenção expropriadora. (5)
Penna tece o comentário à pesquisa de Jouvenel:
“A parte mais relevante do seu trabalho é, certamente, sua demonstração inequívoca de que quanto mais se procura redistribuir a fortuna, tanto mais se reforça o poder do Estado e daqueles que o controlam.” (6)
Mendoza, Montaner e Llosa levantam os efeitos do ardil:
O que o Estado tira dos ricos, guarda para si e o que tira dos pobres, também. Seus beneficiários são poucos; uma oligarquia de empresários superprotegidos de qualquer concorrência, que deve sua fortuna a mercados cativos, a barreiras alfandegárias, a licenças outorgadas pelo burocrata a leis que o favorecem; uma oligarquia de políticos clientelistas para quem o Estado cumpre o mesmo papel que a teta da vaca para o bezerro; uma oligarquia sindical ligada a empresas estatais, geralmente monopolizadoras, que lhes concedem ruinosos e leoninos acordos coletivos; e, obviamente, burocratas parasitas crescidos à sombra desse corrupto Estado benfeitor. (7).
Nos EUA
O fascismo americano.
.

Os Estados Unidos da América não permaneceram imunes às leviatânicas intervenções para tal "repartição do produto social". Tio Sam logo viu suas ovelhinhas tosqueadas, em prol de raros, mas famintos pastores, os quais domesticavam o rebanho justamente com o auxílio do lobo marxista. Max Webber, o pregador burocrático, andava por lá:
.
“Na época em que Webber visitou os Estados Unidos, a imagem do trabalho havia perdido o status e a ética do trabalho protestante havia desaparecido” (8) `
Ética e status, diante do fantasma apregoado, não tinham mais serventia.
Por emenda constitucional, a tradição liberal era violentada pelo planejamento centralizado, cartéis compulsórios, inflação e expansão de crédito, elevação artificial de níveis de salário, incentivos a formações sindicais, enxurrada de regulamentações e propriedades estatais, concessões, privilégios, manobras monetaristas como subsídios e proteções a grandes grupos, especialmente financeiros, tudo copiado dos hábitos europeus, especialmente da Alemanha, a que realizava o sonho de Hegel, prenúncio de Hume:
No final do século XIX, a principal influência sobre a teoria acadêmica social e econômica era das universidades. A idealização bismarckiana do Estado, com suas funções previdenciárias centralizadas foi devidamente reestudada pelos milhares de ocupantes de postos-chave do meio acadêmico que estudaram em universidades alemãs nas décadas de 1880 e 90. (9)
O debilóide não foi à Universidade, mas conheceu as peripécias de Bismarck. Adorou: “Hitler afirma ter lido durante o tempo que passou em Viena, principalmente história. Suas idéias foram influenciadas em especial por um livro acerca da Guerra Franco-Prussiana”. (10)
Quando viveu Eugene V. Debs (1855-1926), ainda não havia Hitler; só Bismarck. Ele se antecipou ao III Reich propondo, em pleno EUA, a protoformação nazi-socialista, em The Promise of American Life. (11)
Na “promessa”, tentava mostrar as vantagens do corporativismo e da intervenção deliberada do Estado, a fim de promover “uma democracia mais altamente socializada”.
Logo após, Charles Van Hise veio com Concentration and Control: a Solution of the Trust Problem in The United States (12), o corporativismo positivista.
Poulantzas comenta o “estrago”:
Da escola de Frankfurt aos radicais americanos manifestava-se a terrificante imagem de um Estado-Moloch totalitário e todo-poderoso, fundado num capitalismo de manipulação, que teria conseguido 'integrar' as massas populares e culminaria inelutavelmente na devoração de pessoas. (13)
O inimigo estava à espreita:
“Não será audácia afirmar que em 1917, ano da revolução e insubordinação, assinalou também uma revolução cultural nos EUA - um movimento que iria adotar o vocabulário de Marx somado ao de Freud.” (14)

Por isso a importância de jornais como o New York Times, que serve ao establishment americano, assim como o Pravda servia ao governo da União Soviética. Ele oferece aquilo em que os donos do país, e das grandes corporações, desejam que acreditemos.
Econ. José Paschoal Rosseti: 69.
O espraiar fascista
Acentuava-se a ascendência do todo frente ao indivíduo, a supremacia da totalidade orgânica, apregoada por Hegel, frente à formiga humana. Os estados ocidentais, embora não tão revolucionários como o soviético, incrementavam a tarefa de planejar e prover o futuro do cidadão, até porque responsáveis pelos contingentes requisitados a morrerem ou se mutilarem, “heroicamente”, pela Pátria, mas bizarra angústia restava do Tratado de Versailles: as linhas produtivas, até então voltadas para a guerra, perdiam sua razão de ser. O que fazer da ociosidade? Onde colocar o excedente? Quem poderia otimizar esta grande máquina da produção?
Para Thorstein Veblen, “o escritor mais influente da América no primeiro quarto do século XX” (15) e ao Presidente Hoover, só poderiam ser seus colegas, “aqueles encarregados da repartição do produto social” (16)::
Os encarregados mantém o Estado à seu serviço:
“Mobilizar a economia e a sociedade era a primeira reivindicação no período da guerra; o papel ampliado do Estado na Primeira Guerra introduziu formas de provisão social e econômica que foram solidificadas e ammpliadas durante a Segunda.” (17)
A Primeira Guerra Mundial transformou a face do mundo e iniciou novo capítulo nas relações econômicas. Surgiu a necessidade de o Estado atuar para organizar as atividades produtivas, direcionando-as para o esforço de guerra, o que abriu caminho para uma experiência intervencionista concreta. A guerra provocou a destruição do mercado natural e ocasionou enormes perdas, requerendo a atuação do Estado no sentido de evitá-las, além de provocar o aumento numérico e o surgimento de consciência de classe, cuja organização se intensificou, para fazer frente ao proprietários dos meios de produção. (18)
Até Galbraith (1989: 197) se espantou:
O poder nos EUA foi mais concentrado do que se costuma imaginar. Quem controlava o Pentágono, a Cia, o Departamento de Estado, o Tesouro e o homem que coordena estes órgãos na Casa Branca, controlava tudo, e tudo isso o sistema controlava.

Quando em 1934 um Al Capone sifilítico era transferido para Alcatraz, o teórico leninista inglês R. Palme Dutt publicava o que entendia como “fascismo social” americano - um fascismo de fato, disfarçado por tênue verniz de demagogia populista-eleitoreira, legitimação dispensada pelo golpista Mussolini. No ano seguinte, o Social Security Act era aprovado.
Em meados de 1938, o Current History Magazine (cit. Rothbart: 41) veiculou:
A nova América não será capitalista no velho sentido, e tampouco será socialista. Se a tendência atual é para o fascismo, será um fascismo americano, que incorporara a experiência, as traições e as aspirações de uma grande nação de classe média. Quando o New Deal é despido de sua camuflagem progressista, social reformista, o que fica é a realidade do novo modelo fascista de sistema de capitalismo de Estado concentrado e servidão industrial, envolvendo um implícito ‘avanço rumo à guerra’.

Roosevelt, influenciado por Felix Frankfurter, pela Sociedade Socialista Intercongregada e por outros, fabianos e comunistas, maquinou uma revolução que colocou o país na senda que leva ao socialismo e, numa perspectiva mais distante, ao comunismo. Foi, contudo, a emenda do imposto de renda, levado em 1909, no Congresso americano, o início do socialismo. Então, o New Deal não foi uma revolução. Seu programa coletivista tivera antecedentes - recentes - com Herbert Hoover, durante a depressão; mais remotos, no coletivismo de guerra e no planejamento central que governaram os EUA durante a Primeira Guerra Mundial
ROTHBARD: 41
Gore Vidal (entrevista para revista Veja. – São Paulo, 25/10/2000) corrobora:
"Havia, na verdade, uma conexão direta, freqüentemente comentada, entre o militarismo e o desenvolvimento inicial da democracia e do welfare state; os direitos de cidadania foram criados no contexto da mobilização maciça para a guerra."
A história não acabou, como precocemente anunciou Fukuyama. Roosevelt ficou paralítico, e morreu no fim da guerra; Mussolini foi trucidado; Hitler se matou; o pouco original Getúlio seguiu-lhe no caminho do infortúnio, mas do inferno se ouvem gargalhadas, porque persiste o detalhe: o espólio, a torpe estratégia, o arcabouço político, jurídico e econômico fascistóide, ainda acrescido de extensa prole, permanece entre nós. Infelizmente.
-
Ainda:

O nazismo americano
_________
Notas
3. Maksoud, Henry, p. 114.
4. Hazlitt, Henry, Economia numa unica lição - A lição trinta anos depois, p. 163.
5. Prefácio a Edição Brasileira apresentado por José Osvaldo de Meira Penna in Jouvenel, Bertrand de, A Ética da Redistribuição, p. 13; Jouvenel, Bertrand de, idem, p. 32.
6. Jouvenel, Bertrand, A Ética da Redistribuição, prefácio de José Osvaldo de Meira Penna, p. 14.
7. Mendoza, Plinio Apuleyo, Montaner, Carlos Alberto, Llosa, Alvaro Vargas, , p. 120.
8. Webber, Max, cit. Diggins, John Patrick, p. 24.
9. Schesinger, Arthur M., The Crisis of the Old Order 1919-1933, p. 20; cit. em Johnson, Paul, p. 13.
10. Hitler, Adolf, cit. Downs, Robert Bingham,, p. 140
11. Debs , Eugene V., in Croly, Herbert, The Promise of American Life, 1909, cit. em Johnson, Paul, p. 13.
12. Van Hise, Charles, cit. idem, ibidem.
13. Poulantzas, Nicos, O Estado, o Poder, o Socialismo, p. 236.
14. Freud, S., Marx, K. , cits. Mascarenhas, Eduardo, p. 190
15. Johnson, Paul, p. 201.
16. Furtado, Celso, Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico, p. 4.
17. Gyddens, A. p. 155.
18. Scaff, Fernando Facury, A Responsabilidade do Estado Intervencionista, p. 34.


Nenhum comentário:

Postar um comentário