domingo, 9 de março de 2008

O "exemplar programa social" de Bismarck

Essencialmente anti-socialista, ainda que não necessariamente antagônica a planos de bem-estar social; protecionista e assim solidária aos interesses dos industriais alemães; e, em assuntos externos, antifrancesa, firme contra qualquer ameaça proveniente daquele antigo antagonista. (1)
Otto era muito hábil para tentar abolir o marxismo emergente apenas com repressão ou choque frontal.
O negócio era "roubar" parte da bandeira. Dessarte o Chanceler de Ferro encetou a cantilena ao pousar combater latifundiários e capitalistas, neste caso utilizando o argumento socialista, em aplicação exclusivamente nacionalista(?!). Sempre de olho na revanche contra os descendentes de Napoleão,  tratou de seguir a cartilha de Platão e Maquiavel., formando, de plano o "exército de soldados leais e fortes", Bismarck soube se colocar “a favor” do trabalhador (!?) contra a doença, velhice e outras atenções, “de modo que estes senhores (socialistas) façam soar em vão o canto das sereias”. (2)] Otto inaugurava o fascismo na face da Terra, para ser mais ou menos seguido por todos os governantes ocidentais, a rigor, até o presente. Ao pasto-verde da formosa Prússia se apresentou enorme e leal contingente. Nietzsche sempre desconfiou, não se conteve e chegou a denunciar a esperteza, “o maquiavelismo de Bismarck, aquilo que ele chamava de sua política realista.” (3) Mas Nietzsche ainda “não era Zaratustra”. (4)
Depois da vingança, e diante de milhares de mortos e ferido, Bismarck acelerou o programa "social". A partir de 1883 passou a valer a legislação através de arranjos enxertados e disposições a inspeções fabris, limites de emprego de mulheres e crianças, fixações de jornadas máximas de trabalho, agências de emprego públicas, etc. Ditadores e demagogos pelo mundo afora ainda utilizam  o molde deste primeiro exemplar de Estado Previdenciário. (5) Com saúde, definitivamente, o trabalhador sempre foi melhor guerreiro: “Afinal, um povo sadio trabalha melhor, produz mais riquezas para o Estado e sua Corte, além de que, se reproduz mais, aumentando a população disponível para o alistamento militar. Povo bem cuidado, mais carne para canhão.” (6)
Toda a população era encarada como exército. De fato, cidadãos eram guindados de seus postos de trabalho, de seus lares, dos campos, de sua paz, para caírem nas trincheiras, a mando do Estado. Os sobreviventes e seus familiares tinham direito a receber, pois, a devida proteção contra a invalidez, o desemprego, a doença e a velhice, enfim. Ao Estado, o dever de amparo ao infortúnio que gera.
Além disso, a guerra deixa ao Estado o encargo dos créditos das vítimas de guerra. Os governos adotam o princípio de que as vítimas de guerra fazem jus à solidariedade da nação. Direitos logo materializados pela carta de ex-combatente, pelo estabelecimento de pensões. Todos os anos parte apreciável do orçamento público se destina ao pagamento das pensões de guerra. (7)
Ai do governante que assim não procedesse; teria que se confrontar com a adversidade aglutinada dos que nada tinham a perder, o grande receio dos chamados elitistas, prenunciado por Engels na década de 1890: “São atraídos pelos partidos trabalhistas, em todos os países, os que nada tem a esperar do mundo oficial, ou chegaram ao fim de seus vínculos imbecis honestos ou velhacos desonestos”. (8)
Além do “honroso serviço militar”, muitos imbecis honestos saiam de perto da natureza por entenderem-na de difícil “doma”. De fato, as dificuldades operacionais advindas da chuva, do frio, do vento, acessos precários, falta de veículos, de roupas, escassez de recursos médicos a picadas de toda sorte (ou azar) e, principalmente, inclinações próprias de jovens levaram-nos a experimentar alternativas na aventura da vida nas cidades. E os “burgueses filantrópicos”, ao tratarem com pequenos favores lideranças operárias, inocentes úteis, ou velhacos de quadrilha, solidificavam a fabricada representação, evitavam a revolta contra si e mais - arranjavam, com isto, ativos parceiros, ao mesmo tempo anulando formações adversárias e ações desestabilizadoras. Era conveniente que pedidos e concessões político-sindicais assumissem a relevância, senha para a manutenção e ampliação do poder concedente e trava ao algoz socialismo revolucionário universalista. Donde provinham os recursos? O sofista e obsessivo Hegel já havia cuidado de tudo ensinar :“Os impostos não são, em absoluto, lesões do direito de propriedade. O direito do Estado é algo mais que o direito do indivíduo a sua propriedade e a sua pessoa.” (9)
Bastava lançá-los. Cada um que pagasse a conta por este “algo mais” tão difícil de qualificar quanto de mensurar.
Hume mencionara. Nietzsche mostraria a razão. Deus havia morrido; vivia o super-homem, a super-raça, a germânica, de conduta única, sob única batuta. O Império Romano no século XX dever-se-ia chamar Prussiano. E fim. Foi mesmo o fim:
A construção do Estado da Prússia envolveu a absorção da nobreza feudal pela burocracia central e o exército, ao contrário da Grã-Bretanha. Além disso, a penetração da autoridade central foi conduzida sob os auspícios militares, numa época em que a Prússia engajava-se ativa e freqüentemente em guerras. Os agentes da centralização foram os oficiais militares, que deram ao autoritarismo prussiano uma qualidade militar. O padrão de autoridade e subordinação no processo de construção do Estado na Prússia, conseqüentemente, parece ter sido mais completo, mais destrutivo da liberdade individual e da independência, tanto das elites quanto das massas, do que em outros países europeus. (10)
Aprecie, sobre o tema
A "força" da "razão"
A "ciência social" de Bismarck
O "cientista" Bismarck
Fasciamo la guerra
_________
Notas
1. Bismarck, Otto Von, cit. Burns, Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, p. 646.
2. Idem, p. 648.
3. Nietzsche, Friederich Wilhelm, A Gaia da Ciência, Obras Completas, 5. vol. p. 357; Ediouro, p. 186.
4. Até setembro de 1888, Friederich Nietzsche permanecia praticamente desconhecido; logo em seguida, três meses após, depois de mergulhar nas trevas do enlouquecimento, sua obra veio à tona. Multiplicaram-se os trabalhos a respeito de suas idéias. Com o tempo, caiu a cortina. Por trás dela, em Weimar, jaziam os ovos da serpente, cuidados pela irmã Elizabeth. Foi ela a mola propulsora, não só do nazismo, como, por início, do fascismo. Tanto Mussolini como Hitler a conheceram e a reverenciaram. Hitler sempre necessitou uma guarida intelectual. O Arquivo Nietszche, em Weimar, lugar do ninho, recebeu várias visitas do demente. Lá estava Elizabeth Nietszche, detentora do espólio, a consagrá-lo como feitor da obra intelectual do irmão. Hitler foi presenteado com a significativa bengala de Nietszche. A morte de Elizabeth, em 1935, teve honras de chefe de estado. Hitler lá estava empunhando o caixão. Em 1971, a International Nietzsche Bibliografy registrava cerca de 5.300 títulos, entre livros e ensaios, em diversas línguas: alemão, inglês, francês, italiano, espanhol e português, além de japonês e grego.
5. Tampke, J., Bismarck's Social Legislation: a Genuine Break-through? p. 71.
6. Mascarenhas, Eduardo, p. 90.
7. Rèmond, Rene, O Século XX, de 1914 aos nossos dias, p. 37.
8. Engels, Friedrich, On the History of Early Christianity, cit. Marx, K. e Engels, F., On Religion, p. 319.
9. Hegel, G. W., cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito, Sociedade Civil e Estado, p. 119.
10. Almond, Gabriel A. e Powell Jr, G.Bingham, p.97.

Nenhum comentário:

Postar um comentário