quarta-feira, 5 de março de 2008

A mística estatística

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O DARWINISMO, a biologia organicista, o utilitarismo encorpado pelo behaviorismo e aplicado na política, e descambando vertiginoso aos marxismos e seus parentes envergonhados - os partidos sociais - todos obtém na dialética seu método de averiguação e álibi. Coincidentemente, esses métodos são o alfa e o ômega, razão e efeito na obssessiva busca pela hegemonia, o poder pelo poder. E todos pautam o norte, obtém suas certezas, pelas médias obtidas em simples operações matemáticas, efetuadas em simplórios eixos de aferição previamente estipulados.
No rastro de Galileu, o homem apeia do centro de irradiação de atos e projetos, bem como de captação e interpretação de significados, para uma condição de organismo comandado por simples eventos físicos ou mecânicos; quando muito, fazendo-se um esforço adicional, biológicos. Ele desconhece, obviamente, a advertência de um Miguel Reale: “No mundo natural o homem não se apresenta como objeto das forças da natureza, mas como ser autônomo, com princípios e fins; não se revela apenas um ser empírico, homo phaenomenon núcleo das paixões e de afeições, mas se projeta como ser racional, homo noumenon." (2)
Jean L. Besson, professor em ciências econômicas da Universidade de Grenoble, elaborou conceituada obra com significativo título - A Ilusão das Estatísticas. O conceito chave demonstra: “A democracia é uma superstição estatística.” Antes de Besson, Tocqueville já suplicara:
Quando a estatística não se funda em cálculos rigorosamente verdadeiros, ela confunde em vez de orientar. O espírito se deixa enganar facilmente pelos falsos ares de exatidão que ela conserva até mesmo em seus desacertos e repousa sossegado em erros que lhe são revestidos com as formas matemáticas da verdade. Abandonemos, pois, os números e tentemos encontrar nossas provas em outro domínio. (3)
A razão é tão simples quanto a soma de duas unidades: "Os sistemas matemáticos não podem dar conta de todas as verdades matemáticas; haverá sempre um conjunto de axiomas que estará fora de seu sistema." (Ciro Marcondes Filho, A razão durante: o movimento como substância das fronteiras. - www.eca.usp.nucleos)
Tocqueville, entretanto, não era considerado cientista. O determinante, a resposta, o respaldo e a decisão só poderiam ser expressões de “valores médios representativos do agregado inteiro”.O povo foi visto, cada vez mais, produto de engenharia; passível, por isso, de programações, as mais variadas possíveis:
O excesso de precisão, no reino da quantidade, corresponde exatamente ao excesso de pitoresco, no reino da qualidade. A precisão numérica é quase sempre uma rebelião de números como o pitoresco é, no dizer de Baudelaire, 'uma rebelião de minúcias'. (4)
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Kant, em Primeiros Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza (1786) já havia incursionado pela águas da Psicologia. Contestou sua cientificidade, fosse pelo critério matemático, fosse à imagem da física ou de ilações provenientes de experiências levadas na química. Não poderíamos efetuar experimentos nem sobre nós mesmos, nem sobre os outros, porque a observação interna altera seu objeto e apenas conduz à alienação, algo que foi espetacularmente desenvolvido pela quântica. O eu, sujeito de todo o julgamento, pode ser função de organização da experiência, mas seu conhecimento não suporta a chancela científica porque ele próprio é a condição de toda a ciência. Fazendo um esforço adicional de boa vontade para com aqueles adeptos, Kant aceitou que a disciplina portasse algum conceito antropológico. (5) Kant, entretanto, como Goethe, Spinoza, Locke, Montesquieu e Tocqueville, não alcançou aquela gente; o povo - lerdo, abstrato, apático, submisso e facilmente sugestionável - não conheceu as sutis diferenças. Os equívocos imperam, incólumes, por séculos: “Em relação à ciência, o atraso da Psicologia é considerável. A Psicologia dita moderna estuda um homem conforme a visão do século XIX dominado pelo positivismo militante.” (6) Pawels e Bergier sugerem outra agenda:
As ciências humanas ainda se encontram fechadas na superstição positivista. A psicologia ainda baseia-se numa visão de homem finito, nas funções mentais uma vez por todas hierarquizadas. A psicologia eficaz, adaptada aos tempos em que vivemos, deveria basear-se não naquilo que o homem é (ou, antes, naquilo que parece ser) mas naquilo que ele pode vir a ser, na sua possível evolução. O primeiro trabalho útil seria a procura do ponto de vista sobre essa possível evolução. (7)
O homem, singular por natureza, tem o gosto, o prazer, objetivo, vocação, pensamento no EspaçoTempo que lhe é pertinente. Generalizações, médias e curvas de normalidade oferecem parâmetros à sua peculiar realidade ou trata-se apenas de projeto ideal?
À humanidade, ambos: os ideais esculpiram dolorosas realidades, de pensamento e de ação.
Visitaremos um famoso atelier.
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Notas1. Gall, Biran, cit. Penna, Antônio Gomes, História das Idéias Psicológicas, 1991, p. 90.
2. Reale, Miguel, O Direito Como Experiência, p. 246.
3. Tocqueville, A, A Democracia na América, p. 254.
4. Bachelard, Gaston, A formação do espírito científico, p. 261.
5. Kant, Immanuel, cit. Penna, A G., p. 36.
6. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 122.
7. Pawels, Louis e Bergier, Jacques, O Despertar dos Mágicos, p. 364
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