quinta-feira, 6 de março de 2008

A mitologia (confessa) de Freud

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Se usualmente o conhecimento científico apresenta-se como luz, clareza, distinção e precisão, numa palavra, como consciência cada vez mais perfeita, como entender uma ciência que possa ter como objeto algo que não pode ser consciente? Walter Evangelista (1)
."Entidades submicroscópicas são passíveis de testes. Na teoria freudiana, esta capacidade é irrisória" (2)
“Experimentei outra negação do dogma freudiano segundo o qual os sonhos são sempre produto do subconsciente; na verdade são reaparições da consciência.” (3)
Não só dos desejos provém os sonhos, mas também reavaliações pessoais do nosso cotidiano biológico comum. F. Crews (4) descreve:
Como Lancelot, Law Whyte e Henri F. Ellenberg mostraram há tempos, Freud não merece nenhum crédito por nos ter introduzido ao 'inconsciente', um lugar-comum romântico como uma linha de montagem que remonta a Platão. Nietzsche, em particular, antecipou muito do que soa profundo em Freud e o fez com vivaz sagacidade, não com diagramas e com falsas e cabotinas histórias de cura (Anzieu; Lehrer; Gellner). Tampouco devemos confundir o inconsciente psicodinâmico de Freud, uma insubstancial porção da mente que supostamente conspira e converte, expia, rememora, simboliza, joga com palavras, cifra seus pensamentos em sintomas e briga consigo mesma enquanto o sujeito permanece deslembrado com o funcionamento mental inconsciente, cuja existência é incontroversa e pode ser prontamente demonstrada. (Kihlstrom).
A física quântica e relativista, a ciência construída no plano da hipótese e da realidade virtual necessitou, para ascender ao status científico pleiteado, sua confirmação na unanimidade das constatações práticas. Entre a propositura de Planck até a dissipação do Positivismo Lógico se passaram nada menos do que tres décadas. Einstein teve que aguardar o famoso eclipse de 1919, portanto quatorze anos, para fotografar e com isto provar a todos sua incrível hipótese. Caso falhasse, toda sua proposição teria ido abaixo. Durante todos esses anos, astronautas de vários países procuraram falseá-la. Ninguém conseguiu. Ulisses Capozoli (5) compara e questiona: “Ao contrário dos trabalhos de Einstein, no entanto, que ganham consistência com o tempo, as perspectivas da psicanálise não parecem tão evidentes. No seu centenário, a psicanálise divisa seu próprio fim?”
É fácil e producente criar polêmica num contexto social ignorante, mas vejamos se é possível alguma comprovação científica no exemplo trazido por Lacerda(6) : “De um contorno arbitrário que traçou no manto da Virgem Maria, num quadro de Leonardo da Vinci, extraiu Freud, a quatro séculos de distância, uma explicação sexual do comportamento e das intenções do pintor”.
Não se pode negar a sexualidade. Aliás, é mesmo um dos maiores motivadores de fazer alguém andar. Considerada no fato cultural, entretanto, seu cientificismo romântico menospreza todos os outros valores intelectuais ou motivacionais, em prol do excludente mito, porque entendido como único vital. Isso não era negado.
Em 1932 Freud (7) tem a coragem de enviar uma carta a Einstein com a sugestão:
“Não será verdade que cada ciência, no fim, se reduz a um certo tipo de mitologia?”
Yerushalmi (8) pergunta o porquê de tanta ênfase no complexo de Édipo e não a outro, que poderia ser o “Complexo de Caim”, uma vez que a narrativa bíblica trata de um fratricídio e não de um parricídio.
O complexo de Édipo é mais do que saber falsificado.Nasceu da tentativa de encobrir criminosos e estupradores. Sua difusão atual, depois de comprovado como embuste, deve ser encarada não só academicamente como mais uma fraude científica, mas também enfrentada judicialmente como propaganda enganosa, pois ludibria a sociedade e jovens e incentiva a impunidade.
BETTONI, Jacob,
Freud explica? - Kronika, Porto Alegre, edição 24, p. 4.-
O professor Renato Janine Ribeiro (9) ajuda a desmanchar o principal argumento da estória:
“Ao contrário do que pensou Freud, o problema de Édipo não é o draminha da família (matar o pai, esposar a mãe) - até porque ele ignorava ser filho de Laios e Jocasta”.
Continua o gabaritado professor:
Édipo é um herói civilizador: pela razão venceu a esfinge e libertou Tebas, tornando-se seu rei. Está no auge do poder e da felicidade quando a peste assola seu reino. Planejador, homem da razão e da ação, quer apurar a culpa que os deuses punem. Vezes sem conta, os que tem acesso às sombras, como o cego adivinho Tirésias, o insitam a desistir de investigar. Édipo se recusa, até ser tragado pela descoberta de que ele mesmo é o culpado. (10)
O famoso complexo se esvai na observação de Malinowski, trazida por Merquior, sobre os costumes nativos das ilhas Tobriand - o triângulo envolve o filho, a mãe e, em vez do pai, um tio materno, que nem coabita com sua irmã. (11)

" O superego é um juiz malévolo, como seu inconsciente é um carcereiro obtuso: velando sempre tão zelosamente sobre seu segredo, ele acaba por designar o local onde se esconde. Sob o pretexto de liberar os complexos, as pessoas se enredam cada vez mais nos assuntos sociais, familiares." (12)
O escasso número de “curas” psicanalíticas pode informar. Hospitais psiquiátricos detém pacientes por dezenas de anos. Aos que conseguem se safar, oriundos de um tratamento via de regra de longa duração, nada assegura que o próprio passar do tempo e a maturidade correspondente tenham conduzido à estabilidade. Fisher e Greenberg de certa forma admitem:
“A psicanálise não se mostrou significativamente mais eficaz que outras formas de psicoterapia, com nenhum tipo de paciente.” (13)
Os métodos terapêuticos, numa análise de Lyoard, evidenciaram-se mais apropriados em “afagar o carente do que cuidar de doente”. O autor reprova a modelagem freudiana “por construir sua cena representativa sobre modelo de teatro à italiana”. (14)
Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia da pessoa derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século XX, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso consciente é totalmente diferente de nosso ser material, como argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter com a natureza ou com a matéria? Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a ele, nosso ambiente material. (15)
Leia
O preço pago por Einstein
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Notas
1. Cit. Oliva, Alberto, p. 213.
2 Luckacs, John, p. 52.
3.
Rycroft, Charles, The Innocence of Dreams, cit. Lucaks, John, O Fim do Século 20, p. 52.
4. Crews, Frederick, O gênio da retórica, Folha de São Paulo, 22/10/2000, p. 20.
5. Capozoli, Ulisses, Cem anos no divã do doutor Sigmund Freud, O Estado de São Paulo, 29/10/1995.
6. Lacerda, Carlos, Em vez, p. 58.
7. Freud, S., cit. Alves, Rubem, Filosofia da Ciência, p. 110.
8. Yerushalmi, Yosef Haym, O Moisés de Freud, Zero Hora, 14/11/1992.
9. Ribeiro, Renato Janine, O Estado de São Paulo, 7/1/1995.
10. Idem, ibidem.
11. Malinowski, cit. Merquior, José Guilherme, As Idéias e as Formas, p. 182.
12. Bachelard, Gaston, cit. Quillet, Pierre, p. 61/69.
13. Fisher e Greenberg, cits. Merquior, José Guilherme, p. 188.
14. Lyoard, Jean-François, A Fenomenologia; cit. Descamps, Christian, p. 25.
15. Zohar, Danah, p. 191.

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