quinta-feira, 6 de março de 2008

Manipulações freudianas

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... A medida que se difundiam as teorias de Freud, ele se revelava o maior desmancha-prazeres da história do pensamento humano, transformando as piadas e as pequenas satisfações do homem em sombrias e misteriosas repressões, descobrindo ódios na raiz do amor, maldade no âmago da ternura, incesto nos afetos filiais, culpa na generosidade, e o ódio reprimido pelo próprio pai como herança humana normal. (1)
PARA ATINGIR O MERCADO sem ser rotulada como ciência abstrata, presumivelmente discutível, a Psiquiatria, como a esmagadora maioria dos ramos científicos, logrou o sucesso através do interminável cabo cartesiano-newtoniano:
As imutáveis leis da História descritas por Marx, a luta desesperada pela sobrevivência de Darwin e as tempestuosas forças da sombria psiquê de Freud devem, em alguma medida, sua inspiração à teoria física de Newton.
Zohar, Danah, e Marshall, I.: 16
Quem não o levasse a sério, logo era taxado de demente, debilóide. Sequer outros pesquisadores ou cientistas poderiam questionar este campeão da arrogância:
“Minha inclinação é tratar aqueles colegas que oferecem resistência exatamente como tratamos os pacientes na mesma situação.” (2)
Sigmund atuava “como um ideólogo messiânico da pior maneira, com uma tendência persistente de considerar aqueles que divergiam dele como desequilibrados e necessitados de tratamento.” (3)
O conjunto de crenças freudianas, é sujeito a contínuas operações de expansão e osmose. Destacando que a multiabrangência da psicanálise dispensa comprovações, Freud a vetava a profanos, quiçá por lembrar-se da própria mulher, Martha, que manifestara completa aversão à teoria do marido. Em 1895, Estudos sobre a Histeria, recebeu dela o adjetivo “pura pornografia” (4)
Neste bas fond, só mesmo iniciados poderiam acessar. Freud se vangloriava - podia não ser o queridinho da esposa, tampouco do povo, mas o era da mamãe:
“A mãe de Freud viveu até os noventa e cinco anos, uma personalidade ardente e vigorosa. Sigmund foi seu primogênito e o filho predileto. Mais tarde ele escreveu:
“Um homem que foi o favorito indiscutível de sua mãe conserva por toda a vida o sentimento de um vencedor, aquela confiança no sucesso que muitas vezes provoca o verdadeiro sucesso.” (5)
O sentido do vencedor exige perdedor. É a lei do mais forte, do mais apto, do mais capaz darwineano. Pai e irmãos que se danem. Macacos não possuem sentimentos maiores.
A Interpretação dos Sonhos, publicada em 1900, identificava no meio dos cipós a disputa pela banana:
“Os sonhos são invariavelmente o produto de um conflito.” (6)
Pesadelos seriam produto da harmonia? Ou para Freud não existia esta possibilidade?
Por conta do interminável conflito Hermann Hesse obteve o sucesso. O romance O Lobo da Estepe tem no personagem principal a patologia oriunda de uma personalidade dividida entre as pressões sociais e os anseios pessoais. E quem não aprecia dividir o sucesso?
Foi durante esses anos, além disso, que a psicanálise, ainda que bastante discutida, conquistou seu lugar no universo intelectual da geração que sai da adolescência logo após a guerra. Hábeis em captar o clima da época, os responsáveis pela empresa cinematográfica U.F.A. propõem mesmo ao Instituto de Psicanálise de Berlim popularizar o ensino de Freud. Após negociações com um de seus colaboradores, o Dr. Hanns Sachs, um filme é rodado em 1926: Os mistérios de uma alma. Pabst, seu realizador, conseguiu misturar admiravelmente ficção e documentação. A partir da descrição de um caso, ele mostra o beneficio de um tratamento psicanalítico, e especialmente a relação entre o analista e o analisado, muito pouco conhecida ainda do grande público. O inconsciente, o superego e a libido ornamentam, não sem grande esnobismo, muitas conversas cotidianas de então! (7)
Quando esvaziadas suas provas, Freud modificava o modo de explicar a teoria, sem repensar sua base. Popper não poupou críticas à ilusão vendida:
A psicanálise é uma metafísica psicológica interessante, mas jamais foi uma ciência. O que impede suas teorias de serem científicas é que não excluem qualquer comportamento físico possível. Mas qual era seu método de argumentar? Freud dava exemplos: analisava-os e mostrava que se encaixavam em sua teoria, ou que sua teoria podia ser descrita como sendo uma generalização dos casos analisados. Por vezes apelava aos seus leitores para que suspendessem suas críticas, e indicava que iria responder a todas as críticas sensatas em ocasiões posteriores. (8)
A manobra é antiga. Aristóteles já demonstrara como isto se dá:
Longe de procurarem regular sobre os fenômenos seus raciocínios e suas explicações pelas causas, eles obrigam os fenômenos a entrarem no quadro de certos raciocínios e de certas opiniões recebidas, aos quais tentam fazer corresponder sua organização do mundo. (9)
Para Frank Cioffi, “a teoria freudiana não é um conjunto de proposições adequadamente limitadas, operacionalmente significativas, mas sim amplamente não testadas, simplesmente defendidas por seus partidários contra a avaliação rigorosa.” (10)
Argolando a tese no “inconsciente”, por isto não palpável, não “falseável”, para usarmos a terminologia de Popper, conseguia o artista excluir quaisquer possibilidades de verificações fáticas. Sua tese, literalmente por isto, é improvável, mas pra ele não vinha ao caso.
Frederick Crews, dedicado há mais de vinte anos, não teme taxar:
“Freud não era grande coisa como pessoa e também não era grande coisa como cientista.” (11)
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Notas
1. Freud, S., cit. Downs, R.B., p. 210. O autor não informa quem formulou a frase, limitando-se a caracterizá-lo como sendo "um critico um tanto jocoso".
2. Idem, ibidem.
3. Freud, Sigmund, cit. em Johnson, Paul, p. 4.
4. Idem, ibidem.
5. Freud, Sigmund, Letter of December de 1912, William McGuire ed., London, 1971, p. 534-535. Trata-se da carta enviada a Jung pouco antes do rompimento.
6. Freud, Sigmund, cit. Downs, Robert Bingham, p. 218.
7. Richard, Lionel, A República de Weimar, (1919-1933), p. 261/62.
8. Popper, Karl, cit. Oliva, Alberto, Popper, Da atitude crítica à sociedade aberta. - Pereira, Julio Cesar R., Organizador, textos de Oliva, Alberto; Caponi, Gustavo A.; Carvalho, Maria Cecilia M.; Barros, Roque Spencer Maciel de, p. 92.
9. Tratado do Céu, II, 13, cit. Japiassú, Hilton, Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje, p. 143.
10. Cioffi, Frank, cit. Crews, Frederick, O gênio da retórica, Folha de São Paulo, 22/10/2000, p. 20.
11. Crews, Frederick, cit. Scliar, Moacir, A psicanálise no banco dos réus, Zero Hora, Porto Alegre, 25/10/1997, p. 2.

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