sábado, 8 de março de 2008

Fasciamo la guerra

O "astuto nobre sardo"
A ética dominante na História da Humanidade foi uma variante da doutrina altruista-coletivista, que subordinava o indivíduo a alguma autoridade superior, mística ou social. Conseqüentemente, a maioria dos sistemas políticos era uma variante da mesma tirania estatista, diferindo apenas em grau, não em princípio básico, limitada apenas pelos acidentes da tradição, do caos, da disputa sangrenta e colapso periódico.
Ayn Rand
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A VELHA BOTA pulsava liberada em comunidades autônomas, mas diante do despertar da indústria, agravava-se a dicotomia norte-sul: enquanto a miséria e a ignorância sulista clamavam pelas prometidas dádivas governamentais, o radicalismo proletário do norte padecia influenciado pela moda socialista. Qual o remédio? Ora, para minimizar ou retardar ao máximo a “inexorável luta de classes”, uma receitazinha dos sensacionais teóricos políticos suportados pela civilização: gotas de paliativos previdenciários, panis et circences e qualquer coisa mais a desviar a atenção operária; neste último caso, as guerras, temporárias ou não, com muitas ou com “poucas” vítimas.
À unidade positivista, mister o sufoco ao federalismo. Mazzini e Cavour (2), em que pese tenazes resistências, lograram a reunião do povo no slogan do Risorgimento (3). E tome guerra: primeiro contra milícias federalistas de Garibaldi; depois, contra os Habsburgos, Criméia, Áustria, até contra o Papado.
Em que pese as conquistas, o povo continuava aguardando seu quinhão. Boa parte desistiu e imigrou a Mérica (4). Os que ficaram e seus descendentes, em poucos anos receberiam, não o quinhão, mas muita bala-de-canhão.
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O Príncipe, de novo
A saga romano-renascentista, sonho de patriotas e românticos, deveria prevalecer, quanto mais não seja, para eximir a região da já temida avalanche socialista, para livrar a região das invasões de novos bárbaros e devolver as glórias perdidas desde o século dos descobrimentos. Para feliz epílogo, o velho enredo requeria a aglutinação do povo em torno do Estado; junto, a esperança italiana em rever Clero e Governo de mãos dadas, a enfrentar a desconhecida explosão industrial e, principalmente, o anticlerical materialismo. Tudo empurrava a população ao único ditame, a uma só voz, a um maestro, o condutor, novo Príncipe.
Camilo Benso, Conde di Cavour (1810-1861) ascendeu no tapete da tradição seguindo os preceitos de Maquiavel, o que não surpreende. Todos afiavam suas baionetas no mesmo esmeril. (5)
O povo, desde a lat (d) ina cartilha de Rousseau, julga que o poder de si emanado pode em seu nome ser exercido. Como no Contrato Social, a propaganda “utilitarista” não reconhecia o Direito Natural. Isso interessava o caudilho:
Um dos primeiros autores que o jovem Cavour absorve certos princípios desde então jamais abandonados, além de Constant, Bentham. Dele Cavour extraiu a idéia da insustentabilidade das teorias jusnaturalistas e uma forte convicção a respeito da bondade do utilitarismo, ao ponto mesmo de se considerar com visível prazer um benthamiano endurci. (6)
Ademais, o “astuto nobre sardo” (7), ao ser nvestido nas funções, logo tratou de limitar o crescimento eclesiástico. O ardil da Lei de Garantias Pontifícias, aparentemente salvaguarda à instituição, por si só, anunciava o verdadeiro dono do poder, o ditador da norma. Diante da sensibilidade e da perspicácia do Papa Pio IX a discórdia Estado/Igreja permaneceu ainda por longo tempo - até ser reatado em 1929, quando o ainda mais esperto Mussolini conseguiu refazer as pontas com o papado.
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Religião do fim do cidadão
Em 1891, o exército eclesiástico pressionava pela extinção completa do reduzido grupo protestante-liberal, ao mesmo tempo em que insistia junto aos governantes a montagem de uma retranca ao materialismo emergente. Abrigando-se na capa da Justiça Social, a Igreja passou a criticar o liberalismo; o sacrilégio socialista também era condenado, mas seus conselhos pregavam a interferência do Estado para a fixação do salário “justo”, incitando o proletariado ao corporativismo classista, com o que, por isso, também ensejava uma visão materialista, da qual objetivavam se afastar:
“A doutrina metafísica da superioridade das espécies sôbre o indivíduo, do universal permanente sôbre o particular variável, foi o suporte do institucionalismo político e eclesiástico”. (8)
Leão XIII promulgou a Rerum Novarum, nada mais nada menos do que uma ponte fascista. Gaetan Pirou soube observar:
“O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”. (9)
Mussolini montou com perfeição o teatro solicitado.
Embora não só por causa disto, mas, certamente, também por isto, o falecido Papa (10) veio a público:
O Papa João Paulo II pediu ontem, formalmente, perdão em nome dos católicos pelos danos causados em outras religiões. O pronunciamento foi feito durante uma visita à República Checa, enquanto conferia a santidade a um sacerdote martirizado no século 17 na guerra entre católicos e protestantes. Essa foi uma das declarações mais explícitas do papa sobre a necessidade dos católicos e outros cristãos de trabalhar pelo perdão mútuo para uma unidade futura. No ano passado o papa declarou que os católicos deviam se preparar para o ano 2.000 reconhecendo os erros cometidos ao longo da história.
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Notas
1. Rand, Ayn, A Virtude do Egoísmo, p. 118.
2. Escreve Bobbio: "Num de seus escritos doutrinários mais completos, Os Sistemas e a Democracia, Pensamentos, 1850, Mazzini faz de Bentham o maior responsável pelo materialismo imperante nas doutrinas democráticas e socialistas, de Saint-Simon (1760-1825) aos comunistas; além do mais, chama Bentham de 'chefe e legislador da escola', que compreende todos os adoradores do útil." Bobbio, Norberto, Liberalismo e Democracia, p 76. Sobre Bentham há um post mais recente.
3. Risorgimento: Movimento romano do início do século XIX, tendo seu ápice acontecido por volta de 1870, quando se completou o processo de formação do Estado unitário italiano.
4. Como os colonos cantavam a América.
5. Conforme Gregory, H. Douglas, cit. Jorge, Fernando, p. 91.

6. Endurci: endurecido, emperdenido, intransigente. Bobbio, Norberto, Liberalismo e Democracia, p. 76.
7. Conde de Cavour, cit. Burns, Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, p. 592.
8. Dewey, John, p. 68
9. Pirou, Gaetan, Introduction a l'etude de Economie Politique, Paris, p. 280, cit. Hugon, P., História das Idéias Econômicas, p. 352.
10. Papa João Paulo II, O Estado de São Paulo, 22/5/ 1995, p. A13.

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