domingo, 9 de março de 2008

A "ciência social" de Bismarck


A Alemanha é um País excelente, sem dúvida, cheia de gente honesta e trabalhadora; se unida, seria a maior potência já vista no mundo. (HUME, David, cit. LUKÁCS, J;.  O Fim do Século 20, p. 1042)
As grandes questões atuais
não serão resolvidas por
discursos ou por decisões
majoritárias - esse foi o
erro de 1848 e 1849 -
mas por sangue e ferro!

Otto von Bismarck
1-
O Príncipe Otto Leopold Eduard von Bismarck-Schönhausen, Duque de Lauenburg (Schönhausen, 1 de Abril de 181530 de Julho de 1898) foi um dos mais importantes líderes nacionais do século XIX. O primeiro-ministro do reino da Prússia1862-1890) unificou a Alemanha, depois de uma série de guerras que levou a cabo com sucesso, tornando-se o primeiro Chanceler (1871-1890) do Império Alemão.
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O ímpeto de Otto foi produto das "sábias" orientações de Fichte, Schelling e Hegel. O líder militar soube bem reencetar a idéia da união prussiana já sugerida por Hume, e agora pelos ideólogos positivistas e por discípulos hegelianos, urgente pelo atraso de cinqüenta anos do alerta de Hegel.
Mister o imediato fortalecimento do comando central. E conseqüentemente, o cerceamento do cidadão:
Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder - os direitos sociais exigem, para sua realização prática, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. (2)
Bismarck, como Cavour, começou reunindo a Federação engajando as regiões para a luta. (3) Feridas não cicatrizadas deveriam ser suficientes para valer a busca pela realização concreta do super-(conduzido)-homem ariano. As cidades, até então autônomas, consagrar-se-iam em  Estado Pan-Germânico.
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Sempre Napoleão
Montando um teatro no Poder Legislativo, Bismarck convocou cada um dos estados membros para comporem a Câmara Alta; o resto do povo ficava na Câmara Baixa, representados por voto universal. Fundamentado o novo estado na força unificadora da formação étnica-lingüística como pré-requisito ao racionalismo jurídico, o “novo” direito para a política totalitária veio como contraposição ao prenúncio marxista. A força do Estado e isto já ensinara até Napoleão, deveria prevalecer sobre a vida de seus concidadãos. Aliás, credite-se às ações do homem-do-cavalo-branco as hostilidades até ao nosso século, algo que encontra ressonância na sinistra previsão de Nietzsche:
A Napoleão (não à Revolução Francesa que procura fraternidade entre os povos e as universais efusões coloridas) é que nós devemos o poder pressentir agora uma seqüência de séculos guerreiros inigualável na história, em suma, de termos entrado na idade clássica da guerra, da guerra científica e ao mesmo tempo popular.Todos os séculos futuros lançarão sobre esta idade perfeita um olhar cheio de inveja e de respeito; pois o movimento nacional de onde surgira essa glória guerreira é apenas um contragolpe a Napoleão e não existiria sem ele.(4)
As lutas de classe exigiam organização de opressores e oprimidos. De início extremamente conservador, aristocrata, e monarquista, Bismarck lutou contra o crescente movimento social democrata na década de 1880 ao tornar ilegais várias organizações e ao instituir, de forma pragmática, a lei de acidentes de trabalho, o reconhecimento dos sindicatos, o seguro de doença, acidente ou invalidez entre outras, convencido de que só com a ação do estado na resolução destes problemas se poderia fazer frente às novas ideias políticas. Naturalmente ao aristocrata o que menos importava eram as condições dos trabalhadores, mas a manutenção de um exército leal e agradecido, saudável e disposto a morrer por seus caprichos. Os alemães aprenderam com Bismarck a renunciar à aspiração pela democracia em troca da união política e a infiltração da disciplina militarista em todas as esferas da vida.
Então o "Chanceler de Ferro" (Eiserner Kanzler) lhes fez todas as vontades: primeiro instituiu a aposentadoria, e aquelas várias leis sociais; depois, mandou-os aos campos talados de minas e canhões, para que morressem em busca da rapinagem ao seu amo.
Nada melhor do que reascender as táticas maquiavélicas e napoleônicas. Todas as forças deveriam servir a um só corpo, ao organismo do Estado Nacional, leitmotiv de Hegel “a propor o problema político por excelência como problema de recomposição de uma unidade perdida ou ameaçada. Não sem motivos, Saint-Simon, seu contemporâneo, havia definido a própria época como uma 'idade orgânica'.” (5)
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Ciência social?
O francês Max Nordau anunciava Degeneration (1895) para fazer sucesso justamente entre os alemães, que já conheciam as teorias degenerativas do criminologista italiano Cesare Lombroso, ao tempo em que surgia Freud.
Mister a ordem, o enquadramento, a educação autoritarista. O Estado positivamente organizado passou a ameaçar os cidadãos e amealhar as riquezas regionais de modo justificado. O comando alemão, como o francês e o italiano, sufocou naturais vocações regionalistas em nome do centrismo e do determinismo racista, ingredientes fundamentais à estupidez dos Reich, especialmente o III. Unido o povo, guerra de novo. Hegel, também neste particular, havia deixado suas recomendações. Assim ele delineou o caminho (do precipício) para o “êxito” dos governos junto a seu povo:
Para não deixá-los lançar raízes e enrijecerem-se em tal isolamento, para não deixar desagregar o todo e envaidecer o espírito, devem sacudi-los de quando em quando, em seu íntimo, com as guerras; devem fazê-los sentir, com aquele trabalho imposto, o seu senhor: a morte. (6)
O Mal. Möltke e o historiador Heinrich von Treitschke recebiam qualquer conflito como “divino”. (7)
É do Marechal, também Conde Möltke, o monumental e maquiavélico ataque à Kant e ao pacifismo:
“A paz perpétua é um sonho e nem sequer um belo sonho. A guerra é, no mundo, um elemento da ordem preestabelecida por Deus. Sem a guerra, o mundo se estagnaria e se perderia no materialismo.” (8)
O Gen. Von Bernhardi (1849-1930), também embalado no comboio Ricardo-Malthus-Darwin-Nietzsche, assim justificou as ações bélicas de Bismarck:
“A guerra é uma necessidade biológica de suma importância, o elemento regulador da vida da humanidade, a qual não a pode dispensar. Não é, contudo, apenas uma obrigação moral; e é, como tal, um fator indispensável da civilização”. (9)
Espichado, pois, nas estações de Platão, Maquiavel, Hobbes, Descartes, Rousseau, Hegel, Comte, Darwin, o imenso trem romântico-nacionalista dos infortúnios, agora pilotado por Bismarck, abriu o compartimento de carga para receber, embalada em grandioso container, a massa germânica.
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Morte à granel
A guerra contra a Dinamarca trouxe-lhe um favorável acordo e, na divisão dos despojos, Bismarck aniquilou com os austríacos, dominando-os completamente na famosa Guerra das Sete Semanas. Entregou os frutos de seu “serviço” a Guilherme, o Kaiser, enquanto grande parcela do agora desiludido povo emigrava para a América do Sul e outras partes do globo, em busca da paz.
Misturando crises de adolescência com revoltas cívicas, para gáudio de Platão, Hegel e seus seguidores, a juventude caia no conto do “progresso por antagonismo”. “Patrioticamente”, milhões caíriam tombados nas trincheiras dos fronts. Hoover constatou o óbvio:
“Os homens idosos declaram as guerras, mas são os jovens que tem que lutar e morrer.” (10)
Em 1870 a Prússia arrumou uma guerra de fácil arregimentação porque contra a gente que descendia do invasor Bonaparte. Retomando os sentimentos de vingança, Bismarck uniu rapidamente a Nação contra o antigo inimigo. Bem marcando a histórica lembrança, o Marechal de Ferro optou por vestir semelhante uniforme de general de cavalaria, primeira caricatura germânica de Napoleão - não tão egocêntrica, porém de assemelhado maquiavelismo. Chamou a Áustria para apoiá-lo, ampliando, com o reforço, a possibilidade de absorver mais terras e riquezas.
Em 1871 Bismarck proclama o Segundo Império Alemão, em pleno Versalhes, quando então recebeu o título de "príncipe". Alguns meses mais tarde, a Alemanha, em virtude da "Paz" de Frankfurt, anexava a Alsácia e a Lorena.
As ações de Bismarck tiveram as mais graves conseqüências, assim apanhadas por Einstein:
“Se a Alemanha não tivesse sido vitoriosa em 1870, que tragédia para a raça humana teria sido evitada!” (11)
Bismarck era consciente de sua maldade, e tentou o suicídio.
Einstein, mais uma vez, estava coberto de razão. O sucesso da social demagogia e dos inescrupulosos métodos correspondentes serviram de exemplo imediato a Teddy Roosevelt, para depois sensibilizar Mussolini e o macaco amestrado de nome Hitler. Sem dúvida, tratava-se de um príncipe ultramaquiavélico; por isso, sua fama, e também sua infelicidade.
Afunde o Bismarck.
O "cientista" Bismarck
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Notas
1. Discurso em 1862, cit. Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, p. 573.
2. Fisher, Fritz, The War of Ilusion: German Policies from 1911/1914, London, 1975.
3. Bobbio, Norberto, A Era dos Direitos, p. 72.
4. Nietzsche, Friedrich Wilhelm, A Gaia da Ciência, p. 194
5. Hegel, G. W. e S. Simon, cit. Bobbio, Norberto, Estudos sobre Hegel, p. 110.
6. Hegel, F. Wilhelm, Fenomenologia dello Spirito, v. II, p. 15; cit. Bobbio, N., Estudos sobre Hegel, Direito, Sociedade Civil e Estado, p. 48.
7. Von Treitschke, Heirich, cit. Burns, Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, p. 667.
8. Wells, H.G., terceiro tomo, p. 307.
9. Gen. Von Bernhardi, cit. Challita, Mansour, Os Mais Belos Pensamentos de Todos os Tempos, 3. Vol., p. 94
10. Hoover, Herbert Clark, cit. idem, ibidem.
11. Einstein, Albert, New York Times, 23/6/1946; cit. Pais, Abraham, Einstein viveu aqui, p. 276.



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