segunda-feira, 31 de março de 2008

As (o)velhas razões do XIX

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Como em Esparta, só à classe governante é permitido portar armas, só ela tem direitos políticos ou de outra espécie, só ela recebe educação, isto é, um adestramento especial na arte de manter em submissão suas ovelhas humanas, ou seu gado humano. Karl Popper (1)
ESTUDANTE de Direito, História, Economia e Filosofia, formou-se Max Weber (1864-1920) a bordo do equivalente trem racionalista-baconiano-positivista-comteano, para daí desenvolver o paradogma do “tipo ideal”, ilação trazida do admirado Bacon: “Podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo.” (2)
Quiçá pela óbvia impossibilidade, o socio-logo viveu pelo menos metade da vida em contradições: “Em 1898 Weber apresentou sintomas de esgotamento nervoso e de neurose; até o fim de sua vida iria sofrer depressões agudas intermitentes.” (3)
A reativação do ódio e naturais desejos de vinganças (se é que se pode chamar “naturais” estas aspirações sem se cometer monumental heresia) não foi privilégio de ninguém. A corrupção e a criminalidade campeavam soltas, mesmo nos países mais cívicos. Governantes ofereciam dificuldades para oficiais venderem facilidades. Dedicando-se ao mundo contemporâneo, o que alcançava seu empirismo, Weber concluiu ser inevitável que as sociedades caissem, cada vez mais, sob a influência de burocracias crescentes e potencialmente totalitárias. Reconhecendo o grau em que isso poderia ameacar a liberdade humana, Weber postulou a idéia da liderança “carismática” como meio de fugir a mortífera tirania do controle estatal.
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Os números não mentem, jamais; só quem os traz
Nesta arquitetura de ordem econômico-sociológico-jurídico-positivista, nessa hierarquia de direito vilipendiado já não se observa a propriedade tão privada. Aceita e divulgada como capaz de decifrar o mapa da felicidade geral porque centrada na certeza numérica, a Economia, somada às concepções jurídico-positivistas e secundada na cumplicidade sociológica e psicológica, escoltou as elucubrações com tonalidades comunistas/marxistas e keynesianas/fascistas. Humanistas foram substituídos pelos novos práticos. Acordos e naturais divergências pessoais sofreram crescente participação dos usurpadores armados com esse racionalismo pragmático, numeral, por isso quantificável, enquanto o utilitarismo (sempre de fachada) ofuscava torpes atitudes.
Eis o novo norte, senso de Justiça - a repartição (da escassez, nunca da abundância) social, assim justificado pelos “cientistas” sociais, neste ato representado pelo grande Duverger (4):
A idéia de que a política é por um lado uma luta, um combate entre indivíduos e grupos, pela conquista de um poder que os vencedores utilizam em proveito próprio e em detrimento dos vencidos e, por outro lado, ao mesmo tempo, um esforço no sentido de realizar uma ordem social em proveito de todos, é o fundamento essencial de nossa teoria de sociologia política.
La Nave Vá:
Os cientistas políticos geralmente dão a impressão de estarem inclinados a considerar a política como uma espécie de técnica, comparável à engenharia, digamos, envolvendo a idéia de que as pessoas deveria ser tratadas pelos cientistas políticos mais ou menos da mesma forma com que os engenheiros lidam com máquinas e fábricas. A concepção engenheira da ciência política tem pouco ou nada em comum com a causa da liberdade individual. (5)
Von Mises reforça:
Na construção de sua utopia, o engenheiro social substitui a vontade das pessoas pela sua própria vontade. A humanidade se dividiria em duas classes: de um lado, o ditador todo-poderoso e, do outro, os tutelados, que ficam reduzidos à condição de meros peões de um plano ou engrenagens de uma máquina. Se isto fosse possível, o engenheiro social não precisaria preocupar-se em compreender as ações das demais pessoas. Teria ampla liberdade de lidar com elas, como a tecnologia lida com madeira e ferro. (6)
O embrulho do Direito
A “política”, “disfarçada” nessa ciência expressa pelos padrões exclusivos da maquinaria financeira do Estado, dispensou conceitos éticos, a “vã filosofia”, e o Direito Natural:
“O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético.” (7)
Foi o mesmo que detectaram Jacques Attali e Marc Guillaume:
A teoria econômica veio a ser uma ampla empresa de terrorismo intelectual, cujo aspecto pseudo-científico serve, na realidade, de coerção para excluir todos os verdadeiros problemas da sociedade contemporânea. Seu exagerado profissionalismo, herdado de sua mitologia científica, e todo o aparato matemático que a rodeia, servem para mascarar seu objetivo ideológico, que transforma sua disciplina numa máquina para estabelecer as leis das relações de força que existem na sociedade, numa civilização materialista e produtivista, orientada totalmente para a acumulação de bens materiais. Seu dinamismo serve, na realidade, para legitimar a posse do poder em mãos daqueles que dominam o aparato produtivo, quer seja a tecnocracia, nos países ocidentais, ou a burocracia planificadora, nos países socialistas. (8)
O Direito desceu do pedestal. Ficou à mercê dos “engenheiros sociais”, como temia Roscoe Pound; (9) ou serviu de “instrumento”, na expressão querida de Rudolf von Ihering, em Teoria do Fim (10) :
Segundo o escritor pós-moderno David Harvey, a crença no 'progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais' engendrou 'uma celebração do poder burocrático corporativo e da racionalidade, sob o disfarce de um retorno à superfície do culto da máquina eficiente qual um mito suficiente para incorporar todas as aspirações humanas'. (11)
Isso tudo nem era novidade - desde Rousseau, Napoleão e Comte, o Direito assumira o caráter teleológico, por isso transformado em mecanismo ordenativo a realização das finalidades propostas pelo Estado; ou melhor, por e para seu jockey eventual:
“A racionalidade jurídica é uma imagem ideológica para legitimar o sistema jurídico positivo a partir de uma aparência de racionalidade, cujo fundamento é mais mítico do que racional, ou seja 'mitológico'.” (12)
É o que acontece com nossos hábitos, desde a proclamação da rês ex-pública.
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Notas
1. 1998, Tomo I, p. 60
2. Weber, Max, Ciência e Política, Duas Vocações, p. 30.
3. Berlinck, Manoel T. PhD, Notícias sôbre Max Weber, in Weber, M., p. 8.
4. Duverger, Maurice, Sociologia Política, p. 27. (
Esta concepção cartesiana parece-me bastante sofística. De plano se sabe que o detrimento dos vencidos é excludente; portanto, jamais o proveito poderá ser de todos. Ademais, o "proveito de todos" se circunscreve, em primeiríssimo plano, e de modo invariável, aos interesses personalíssimos dos reduzidos grupos vencedores.)
5. Leoni, Bruno, A Liberdade e a Lei, p. 19.
6. Mises, Ludwig von, Ação Humana - Um Tratado de Economia, p. 112.
7. Leoni, B., p. 66.
8.Guillaume, Marc e Attali, Jacques, cits. Goytisolo, J. V. , , p. 94.
9.Interpretations of Legal History, 1923; cit. Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito.

10.Ihering, Rudolf von, Teoria do Fim, cit. Nader, P., p. 55.
11.Harvey, D., cit. Zohar, D., 2000, p. 167.
12.Lenoble, Jacques e Ost, François, Droit, Mythe e Raison, cit. Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito, p. 128.

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