quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O conto de Comte


Melhor (educador) para a virtude mostrar-se-á aquele que usar o encorajamento e a palavra persuasiva, do que o que se servir da lei e da coerção. Pois quem evita o injusto apenas por temor a lei, provavelmente cometerá o mal em segredo; quem, ao contrario, for levado ao dever pela convicção, provavelmente não cometerá o injusto nem em segredo nem abertamente, Por isto, quem agir corretamente com compreensão e entendimento, mostrar-se-á corajoso e correto de pensamento. DEMÓCRITO
Die Frage, die meinen Kopf entsprang, hat Brasilien sonniger Himmel beantwortet  A. EINSTEIN  (A questão, que minha mente formulou, foi respondida pelo radiante céu brasileiro)
SOBRAL, CE, 1919: O eclipse solar atrai renomados cientistas estrangeiros. O grupo veio para confirmar hipótese surreal: a luz de uma estrela polar, sem peso e sem massa, curva-se ao tangenciar o Sol. Cai a Babel de COPÉRNICO, GALILEU, KEPLER, BACON, MAQUIAVEL, DESCARTES, HOBBES & NEWTON. A gravidade não é produto das forças magnéticas, mas da retração espacial. O carisma não é próprio do agente. É favor das circunstâncias. Forças não vem ao caso. HANS KELSEN (p. 105),  notável articulador da Teoria Pura do Direito imediatamente caiu na real, e reverteu seu enfoque: "A concepção metafísico-absolutista está associada a uma atitude autocrática, enquanto à concepção crítico-relativista do mundo associa-se uma atitude democrática."
BRASÍLIA, DF, 1999: A política continua atrelada, envolta no pilhado racionalismo. Passados mais de três séculos da Revolução Gloriosa da Inglaterra, um século da Gloriosa Revolução do Ceará, e quase meio do flamante movimento de 1968, tantos outonos ainda não foram suficientes para despi-la. Bem que ela já poderia, de antemão, ter se livrado do fetiche - afinal, a moderna democracia,  nada menos do que a Teoria da Relatividade adaptada aos seres humanos, antecede em século a estúpida queda da Bastilha.
É verdade que desde 1915 a compreensão da relatividade geral foi vastamente aprimorada, nossa confiança na teoria cresceu e não foram encontradas limitações confirmadas sobre sua validade. Contudo, ninguém hoje afirmaria ter um domínio total do rico conteúdo da relatividade geral. O mesmo vale para as respostas a problemas filosóficos levantados pela teoria totalmente ao nosso alcance hoje. Segundo meus conhecimentos, os escritos filosóficos sobre esse assunto foram um tanto limitados, sem dúvida principalmente porque a matemática envolvida é bastante complicada.  PAIS, A., 1997: 150
Problemas filosóficos não encontram resposta por números; todavia, se a Relatividade, ou a Covariância, em sua denominação heurística, tardou meio século para ser assimilada dentro de seu próprio estádio, há que se compreender o formidável atraso das ciências humanas e, por extensão, da política. Nesses campos a reação foi deveras notável, especialmente entre nosotros:
Data venia, Herr Einstein, a Teoria da Relatividade não considerou as implicações metafísicas das hipóteses que aventa. Das ciências físicas até as ciências jurídicas a diferença, saiba, é de grau. A Física mantém um pacto com o mundo da sociedade também, e é pacto que tira e põe, mas não deixa intacto o que estava. A questão é tanto mais delicada quanto a afirmação de não se poder alegar o erro e a de se exigir a capacidade objetiva e o além da capacidade objetiva, que leva a argumentos a favor de uma e de outra opinião. Falta na Teoria da Relatividade o conhecimento, a informação de que não é só o mundo em si, an sich, de que ela trata. Há de se ver que nas suas conseqüências, falta o desdobramento de um mundo para nós, für uns... MIRANDA, Pontes, cit. MOREIRA e VIDEIRA:  103.
O flamante PONTES DE MIRANDA soube retroagir, mas ainda persistem ferrenhos reacionários, na adjetivação predileta dos progressistas sociais.  As pinturas oferecem estribo às funções ideológicas, invariavelmente cunhadas platônicas, cujo velado leitmotiv tem no palácio sua mira, seu cômodo. Quase todos atores e diretores desta grande área (digo quase apenas para não ferir a praxe) ao traçarem os "fortes motivos sociais" miram honras de Estado, remunerações e banquetes. Morar bem, de preferência em prazerosa companhia nem seria demérito, posto raro haver quem não queira bem viver; porém, nenhum ideólogo trata de edificar sua morada. Valem-se do esforço alheio, desde vitoriosas trilhas antepassadas ao portal almejado. "As primeiras histórias das instituições foram histórias do direito, escritas por juristas que com freqüência tiveram um envolvimento prático direto nos negócios do Estado." (BOBBIO, N. 1987: 54)
Algumas das primeiras escalas do Beagle foram feitas na costa brasileira, em Fernando de Noronha, Salvador, Abrolhos e no Rio de Janeiro, onde Darwin passou quatro meses. 'Darwin ficou hospedado em Botafogo, que era então um bairro nobre e tranqüilo, onde nobres e embaixadores tinham sítios'. MOREIRA, Ildeu de Castro, O Brasil visto por Darwin, 60a Reunião anual da SBPC: 2008
"Não me oferecem comida nem bebida – nem consolo intelectual nem espiritual... [o conservadorismo] não leva a lugar." (KEYNES, John Maynard, cit. SKIDELSKI: 60)
A necessidade de que me aflige me leva a publicá-lo: eu sinto que me consumo e isto não pode continuar assim sem que a longa pobreza não faça de mim um objeto de desprezo. Além disso, desejo vivamente que estes Médici decidam-se a me empregar, mesmo se eles tivessem de começar por me fazer rolar uma pedra. MAQUIAVEL, Nicolau, O Príncipe, cap. XXVI.
"Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglêsa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico." (COBRA, Rubem Q., Thomas Hobbes, Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997.) 
O homem de sistema costuma se achar muito sábio em seu próprio juízo; e ele está, com freqüência, tão enamorado da suposta beleza do seu próprio plano ideal de governo que não tolera qualquer desvio, por menor que seja, em qualquer parte dele. Ele atua com o intuito de implantá-lo completamente e em todos os detalhes, sem prestar atenção seja nos grandes interesses, seja nos fortes preconceitos que podem se opor a ele. Ele parece imaginar-se capaz de dispor os diferentes membros de uma grande sociedade com a mesma facilidade com que a mão dispõe sobre as peças de xadrez. SMITH, Adam, An Inquiry into Nature and the Causes of the Wealth of Nations (1776): 233
As razões da teimosia ao padrão mecanicista, da ignorância à espetacular guinada científica não são razoáveis, mas vingam pelas máscaras prêt-à-porter empregadas, pelo longo tempo de impregnações mitológicas, especialmente a grega, e pela própria religião, da Ágora partida. Ademais, tivemos as duas grandes guerras. A prevenção de complexidade dificulta a mudança do entendimento, até mesmo da simples percepção. Não obstante; enfrenta-se a escassez de pesquisadores interdisciplinares, o compulsório alinhamento acadêmico; professores preocupados apenas em manter seu lugar-ao-sol; e a eterna presença de populistas mal-formados, e pior informados, cujas heranças vão se empilhando aos paulatinos sucessores. Tudo contribui para explicar a inércia intelectual generalizada. Servis sparrings, encerram o grupo das balizas que precedem e cadenciam o coro popular, já bem domesticado pelo sufôco das grandes ditaduras e de seus filhotes mais ou menos lacaios que se abatem por aqui, e alhures. .
Há mais ídolos do que realidades no mundo: esse é meu 'mau-olhado' para este mundo, também o meu 'mau-ouvido'... NIETZSCHE, F., Crespúsculo dos ídolos: 16.

ISIDORE AUGUSTE FRANÇOIS XAVIER COMTE (1798 -1857) é o nome completo do nosso indiciado, o venerado Augusto Comte. No Cartório da Carochinha o arauto lavrou registro: "pai" da Sociologia e fundador do Positivismo. Não há testemunhas; apenas crentes. Ele foi, de fato, padrasto; mas, antes de tudo, fenomenal charlatão. " COMTE não sentiu 'l’anillo' do verdadeiro problema gnoseológico. Tentou sistematizar o conhecimento positivo, mas sem se propor a tarefa de examinar-lhe o fundamento derradeiro." (H. HÖFFDING, Storia della Filosofia Moderna, Torino, 1913, t. II: 339)
O golpe vem sendo aplicado há séculos. O primeiro a comtá-lo foi Platão, na consultoria a Vecchio, o Tirano de Siracusa - "exemplo de administração", pode-se imaginar. Maquiavel o resgatou, e a moda pegou. Seguiram-lhe Galileu, Descartes, Bodin, Bacon, Hobbes, Rousseau, Napoleão, Hegel, Bentham, J. Mill, Austin e ainda Hegel. Darwin e Marx foram praticamente contemporâneos. Todos se entrelaçam, no aval:
Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual comparava-se o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes. ZOHAR, D., 2000: 23
Com a dialética de Hegel, o positivismo tomou importância. Tal qual gilete, servia pelos dois lados.
No campo epistemológico, o positivismo é filho da lógica newtoniana. Ele estabelece para a ciência a intolerância teórica das disciplinas exatas da época, excluindo do campo da legitimidade científica tudo aquilo que não poderia ser conservado e verificado de acordo com o princípio platônico de separação radical sujeito-objeto. Ciro Marcondes Filho, www.eca.usp.br
Cavour fez a barba na unificação de Itália; o sucessor Benito Mussolini completou cabelo e bigode. Pronto. Aí estavam as asas para os vôos tirânicos de Bismarck e Adolf. E tingidas no escarlate, elas se coadunaram com os massacres de Lênin e Stálin. O Brasil adotou o filhote a partir do golpe da rês ex-pública, ora privada, e muito fedorenta. Leviathan cresceu com GETÚLIO VARGAS. Os estelionatários do plano cruzado ainda se esbaldam. Viva a sociologia. Dane-se a sociedade.
Quiromancia
Em matéria de etnologia os conhecimentos de COMTE, reduzidos quase ao livro do Presidente DE BROSSES, Du culte des dieux fétiches, eram muito rudimentares. Mas nem a etnologia nem a psicologia lhe foram favoráveis. Idéias e fatos condenaram o pré-logismo; depois de muitos outros BERGSON, na sua última obra, deu-lhes o golpe de misericórdia. Pe. FRANCA, Leonel S.J. www.permanencia.org.br/revista/filosofia/leonel2.htm
Esta notícia ainda não cruzou o Atlântico. A previsão racionalmente matematizada requer apenas um simplório exame dos mecanismos percebidos como indutores do comportamento social. A “fução positivista” ** é “descobrir”, de certa maneira “criar” leis de sucessão, coincidências elencadas da física e da biologia, analogias históricas, traduções (subjetiva, obviamente) de experiências e empirismos elaborados a partir da ordem hierárquica arranjada, enquadrante da Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia: "A psicologia seria uma ciência positiva como as demais, capaz de reger a moral e a política." (SOARES, M.P: 26.) Descreve-nos ALQUIÉ (Galileu, Descartes e o Mecanismo:26.):“As quatro ciências fundamentais que a inspiração positivista, evolucionista e pragmatista do séc. XIX aponta como classificação inabalável são a Físico-Química; a Biologia; a Psicologia e a Sociologia”.
A Sociologia encerra o desatino com o paradogma de MAX WEBER (1864-1920 - Ciência e política: duas vocações: 30), ilação importada do admirado BACON:  “Podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo.” Ledo engano, o mais crasso dos equívocos: "A viciosidade peculiar do racionalismo é que ele destrói o próprio conhecimento que possivelmente viria salvá-lo de si próprio, ou seja, o conhecimento concreto ou tradicional. O racionalismo serve apenas para aprofundar a inexperiência a partir do qual ele foi originalmente gerado". (GIDDENS, A.: 39.) Apuramos o óbvio:"A burocracia excessiva, que encara as pessoas como unidades sem rosto a serem tratadas com regulamentos impessoais, tem sido vista cada vez mais como alienante e, ao mesmo tempo, ineficiente." (ZOHAR, D.: 26)  Além de alienante e ineficiente ela é, antes de tudo, cruel e desumana. 
A imanente praxeologia cienticista de PLATÃO, BACON & DESCARTES, ainda mais de MAQUIAVEL & HOBBES, rejeita qualquer apreciação de (ou com) sensibilidade. Sorry: manda-te à Marte, por não amar-te.  O resultado do cruzeiro é catastrófico:
Perderam-se a visão, o som, o gosto, o olfato, o tato e com eles também foram a sensibilidade estética, a ética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espirito. A experiência como tal foi expulsa do domínio do discurso científico. LAING, R., The Voice of Experience, Pantheon, N.York, 1982; cit. CAPRA, F., O Ponto de Mutação: 51
Na faina de exatidão, poesia, espiritualidade e a própria filosofia foram apartadas, diminuídas, arbitrariamente marginalizadas, tomadas de assalto pelo vitorioso esquema geométrico:
A tradição filosófica do Ocidente, em todo caso desde o século XVII, foi profundamente influenciada pelo desenvolvimento da física matemática e das ciências naturais fundamentadas na experiência, na medição, na pesagem e no cálculo. Tudo quanto não era redutível a grandezas quantificáveis foi, por isso mesmo, considerado vago e confuso, alheio ao conhecimento claro e distinto. PERELMAN, Chaïm, Ética e Direito: 672
A ciência procura leis não somente independentes mas determinantes da vontade humana. Ela insiste em regularidades, estrutura, sistema, invariantes e, para tanto, procura delimitar e recortar claramente os objetos de estudo. Cultural e socialmente revestida de positividades, bondade e poder, ela menospreza a filosofia, percebida como figura diminuída que precisa ser 'abolida' ou 'desvalorizada'. LACOSTE, JEAN, A Filosofia do Século XX: 49..
 NIETZSCHE (ob. cit.: 30) pode identificar com muita antecipação o detalhe assinalado por LAING:
O nariz, por exemplo, do qual nenhum filósofo jamais falou com veneração e gratidão, o nariz é mesmo provisoriamente o instrumento mais delicado que temos a nosso serviço: é capaz de registrar diferenças mínimas no movimento, diferenças que nem o espectroscópio registra.
Quem seria, todavia, este louco Zaratustra  para frustrar a esperança vendida assim, positivista?
A desumanidade da Religião da Humanidade
Outro exemplo de Ser Positivo é o 'Deus Organizador', em que a divindade (ou divindades) exerce o papel de controlador da oposição primordial entre Ordem e Caos. O Caos representa o Mal, a desordem, e é simbolizado em vários mitos por monstros como serpentes ou dragões, ou simplesmente deuses maléficos que lutam contra outros deuses em batalhas cósmicas relatadas muitas vezes em textos épicos, como no caso do Eubuma elis dos babilônios. GLEISER, M.  A Dança do Universo Dos Mitos de Criação ao Big-Bang: 31
O Direito Positivo, artificial porque não natural, sequer oriundo do povo, mas codificado à ele, portanto antidemocrático, dogmático e corporativo, atropela nuances, vontades, peculiaridades e costumes. Segundo as "correntes formalistas", todavia, o método do é auto-suficiente, preciso, neutro, insofismável, e, portanto, essencialmente justo: "O ideal seria uma ordem jurídica tão bem elaborada, leis tão claras e tão completas que, no limite, a justiça pudesse ser administrada por um autômato." (PERELMAN, C.: 69)
A desenvoltura do escôpo atingiu maior relevância através do apelo científico-religioso nele embutido, metafísica articulada para grandes efeitos. O duplo status decorre das premissas ancoradas naquela Física, portanto “irrefutáveis”, porque científicas; e por autodenominadas espirituais, designada Religião da Humanidade, alcunha proclamada pelo criador, no apelo aos inocentes corações. O DEUS terreno de HOBBES - a palavra do Leviathan.

Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), em seis volumes, Tratado filosófico da astronomia popular (1842) Sistema de Política Positiva, ou Tratado de Sociologia instituindo a Religião da Humanidade (1851-1854) Catecismo positivo (1854) e Síntese subjetiva ou sistema universal de idéias sobre o estado normal da humanidade (1856) vieram para ampara os negros prenúncios e a tuirbulência ocasionada pelo cartaz marxista já expresso nos Champs-Élysées. As obras insinuavam o  “zêlo humanitário” de Comte apurado convite aos altos desígneos humanos. A combalida França, mãe de Descartes, Rousseau, Napoleão e Saint-Simon,  vislumbrou na obra do filho mais novo a extensão do trilho tomado glorioso. A Sorbonne, a preferida dos sabidos brasileiros, foi contemplada com seu busto, logo na entrada.  Na seqüência, Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, até a Iuguslávia, os latinoamericanos enfim, atiraram-se na observância dos ladinos ditames. “Qualquer intelecto, mesmo subdesenvolvido, poderia operá-lo” 
A criação característica do século XIX foi precisamente o coletivismo, É a primeira idéia que inventa apenas nascido e que ao longo de cem anos não fez senão crescer até inundar todo o horizonte. Esta idéia é de origem francesa. Aparece pela primeira vez nos arquireacionários de Bonald e de Maistre. No essencial é imediatamente aceita por todos, sem outra exceção que não seja Benjamim Constant, um "atrasado" do século anterior. Mas triunfa em Saint-Simon, em Ballanche, em Comte e pulula por toda a parte. Por exemplo: um médico de Lyon, M. Amard, falará em 1821 do collectivisme em face do personnalisme . Leiam-se os artigos que em 1830 e 1831 publica L'Avenir contra o individualismo.GASSET, José Ortega Y, Rebelião das massas; Prólogo aos franceses.
Festa à ilusão
No primeiro quarto do XX o Positivismo Lógico ainda se refastelava, ao arrepio de Einstein (cit. POPPER, K., A Lógica da Pesquisa Científica:525):
Não me agrada absolutamente a tendência 'positivista' ora em moda (modishe), de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau desejado de precisão e penso que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observação, mas há que ser inventada.
O pessoal, contudo, permanecia refratário à percepção:
Esses primeiros contatos, porém, não foram intelectualmente proveitosos pois a platéia ainda conhecia pouco as teorias expostas por Einstein, envolvendo física quântica e a própria Teoria da Relatividade, e olhavam com desconfiança e ceticismo tais idéias 'extravagantes' para a época. Márcia Tait Lima A genialidade não relativa de Einstein, Cienc. Cult. vol.57 no.2 São Paulo Apr./June 2005
As discussões a respeito das fotografias de Crommelin e Eddington continuavam, às vezes acaloradamente. A teoria de Einstein, então extremamente difícil de ser entendida, não era aceita por muitos expoentes da ciência. Um deles, o eminente sábio Sir Oliver Lodge, abandonou o encontro em sinal de protesto. MACDONALD, F. , Albert Einstein: 7
Ernst Mach e o químico Wilhelm Oswald (cits. COVENEY P. e HIGHFIELD, R., A flecha do tempo: 57) garantiam: “Não pode haver significado nas declarações referentes a uma suposta teoria atômica, já que não temos meios de verificar diretamente a existência de átomos e moléculas.”  No quarto posterior, Hiroshima e Nagasaki foram sacrificadas à verificação.
  Aplicações do conto
Uma ilusão geral constitui uma força social, que serve potentemente para cimentar a unidade e a organização política de um povo, como de uma inteira civilização. MOSCA, Gaetano, Scritti politici - Teorica dei governi-elementi di scienza política - vol.II, 633; cit. REGO, W.D.L.: 88
Ditadores efetivos ou potenciais encontram no simples desejo sua mola propulsora. O positivismo é-lhes totalmente rendoso. É feito para isso, para suprir a vontade do feitor. Esta foi a montaria de Napoleão, muito antes dos ensinamentos de Comte, mas a tempo de Rousseau. Foi o cavalo de Cavour, para unificar a Itália; e de Bismarck, para ferrar a França. A própria Alemanha caiu na armadilha, e arrastou até os EUA, na virado no Eua. Theodore Roosevelt era fã de Bismarck. E não poucos, de Hitler. Mas foi Mussolini o ator que consolidou o corporativismo, a grande princesa positivista. Dela veio imensa prole, começando com a “justiça” do trabalho. Em seguida o Duce, sempre preocupado com os trabalhadores, mandou-os aos campos talados de minas e canhões. O nazista preferiu adicionar outra dialética, a de Darwin e Haeckel, mas não dispensou a plataforma, tornada ultrapositivista. O III Reich ascendeu pelo desgraçado sistema racista-corporativo. Franco, Salazar e Tito ficaram maravilhados com o progresso de ambos e logo escorregaram por suas veredas. Daí a atravessar o Atlântico era só uma questão de comunicação.Theodore Roosevelt já enfiara a emenda do Imposto de Renda no país cuja meta de felicidade é a renda. O descendente Franklin aproveitou a maré. Getúlio & Perón se lambusaram à vontade. Todos, com exceção do paraplégico americano, e do "autor" da única carta-testamento datilografada que se tem notícia, foram condenados pela humanidade. Suas criações, todavia, por bizarro intocadas, ainda maiores e acrescidas de prole, permanecem à serviço. Urge identificá-las, tão docemente vestidas. Como disse Ortega Y Gasset, "o homem que descobre uma nova verdade científica precisou, anteriormente, despedaçar em átomos tudo o que aprendera, e chega à nova verdade com as mãos sujas de sangue do massacre de mil superficialidades."
Augusto Comte, cujas idéias hoje fossilizadas são simples curiosidade nos museus filosóficos, pertencia à perigosa espécie dos que se julgam donos da verdade e se auto-atribuía uma missão que o levou à beira da loucura. Suas idéias eram uma mistura de messianismo e dogmatismo: uma monomania pseudocientífica. A política devia obedecer a critérios científicos, impostos por uma minoria de especialistas. A representação política não tinha qualquer valor; o único que importava era a competência. A política 'científica' consistia em fazer de cada indivíduo um funcionário social, totalmente subordinado ao poder. Nada mais estranho ao pensamento de Comte do que a noção liberal de direitos individuais: 'Todo direito individual é uma abstração, a sociedade é a única realidade'. Nada de divisão de poderes: o Legislativo e o Judiciário deviam ser inteiramente subordinados ao Executivo. Tudo para o Estado, nada para a sociedade; em suma, um completo sistema de despotismo espiritual, político e social. CANGUILHEM, Georges, Cahiers pour l'analyse; cit. DESCAMPS, C.,: 88 
Ao enquadrar o positivismo Von Mises (Ação Humana - Um Tratado de Economia: 72)- igualmente não teve dó:
O tema de todas as ciências históricas é o passado. Elas não podem ensinar algo que seja aplicável a todas as ações humanas, ou seja, aplicado também ao futuro. As ciências naturais também lidam com eventos passados. Toda experiência é uma experiência de algo que já passou; não há experiência de acontecimentos futuros. A informação proporcionada pela experiência histórica não pode ser usada como material para a construção de novas teorias ou para a previsão de acontecimentos futuros. Toda a experiência histórica está aberta a várias interpretações e, de fato, é interpretada de várias maneiras. É impossível reformar as ciências da ação humana obedecendo a padrões de física ou de outras ciências naturais. Não há possibilidade de estabelecer a posteriori uma teoria de conduta humana e dos eventos sociais. Os postulados do positivismo e escolas metafísicas congêneres são, portanto, ilusórios.
No Brasil
O comtismo serve então de fundamentação doutrinária a uma facção política conservadora e anti-democrática, que durante quarenta anos dominou o Rio Grande do Sul, e daí se irradiou para todo o país... Inspirados na filosofia de Auguste Comte e na sua Teoria dos Três Estados ou Estágios de Civilização (o teológico, o metafísico e o científico ou positivo), os republicanistas que se opunham aos democratas defendiam uma república provisória com meio para alcançarmos a ordem e o progresso. Segundo eles, somente numa ditadura sociocrática, nos moldes positivistas, poderiam ser resolvidos os nossos problemas; para atingirmos esse objetivo tornava-se necessária a instauração desse regime ditatorial e, ao combaterem então a monarquia esses políticos defendiam o republicanismo. DA SILVA, Prof. Nady M. D., Positivismo no Brasil, Universidade Federal do Maranhão.
Elegemo-lhe venerável patrono. Antes, tivemos o desembarque dos cabos-eleitorais: pragmáticos juristas, economistas, políticos, educadores, interessados de todos matizes. Valorizamos escolas militares, politécnicas, faculdades de Engenharia e Direito. A Filosofia, e a Economia logo lhe abriram os portões. Nos corredores, ecoava o canto heróico e entusiasta, refrão de Comte:
A República está próxima. E não há como resistir. As sociedades obedecem ao influxo de leis tão exatas, precisas e invariáveis como as que regem os fenômenos transformadores do mundo físico. É que os fenômenos sociais estão sujeitos às leis naturais, como os fenômenos físicos. É que há uma física social. CASTILHOS, Julio, cit. FLORES, Hilda Agnes Hubner, Revolução Federalista: 18
O primeiro ato da “física social” arrasou Canudos. Não havia razão resistente à espada: “O movimento que destruiu a monarquia brasileira não passou de um processo de institucionalização jurídico-político de forma republicana de governo através de golpe militar”. (WEFFORT, Francisco Correa, Por que Democracia, cap. I; cit. COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 345)
ReVerSão
É necessário que a ciência mostre por fim sua utilidade! Ela se tornou nutricionista a serviço do egoísmo: o Estado e a sociedade a tomaram a seu serviço para explorá-la segundo seus fins. NIETZSCHE, F., O livro do filósofo: 30
O pai de Zaratustra protestou, e a ciência se emendou:
Em nosso século, o estudo da constituição atômica da matéria revelou que a abrangência das idéias da física clássica apresentava uma limitação insuspeitada e lançou nova luz sobre as demandas de explicação científica incorporadas na filosofia tradicional. Portanto, a revisão dos fundamentos para aplicação inambígua de nossos conceitos elementares, necessária à compreensão dos fenômenos atômicos, tem um alcance que ultrapassa em muito o campo particular ciência física. BOHR, Niels, Física atômica e conhecimento humano: Introdução.
Hoje em dia todos nós estamos profundamente cônscios de que o entusiasmo que nossos precursores tinham em relação aos feitos maravilhosos da mecânica newtoniana levou-os a fazer generalizações nesta área de previsibilidade, na qual de modo geral talvez tenhamos tendido a acreditar, antes de 1960, mas que hoje reconhecemos que era falsa. Queremos nos desculpar coletivamente por haver confundido o público instruído em geral, fazendo-os acreditar em idéias sobre o determinismo de sistemas que satisfazem as leis de movimento de Newton, as quais, a partir de 1960, foi provado serem incorretas. COVENEY, P. & HIGHFIELD, R., A flecha do Tempo: 242   
Ao se constatar tantas graves conseqüências do somatório de artifícios o veredicto é fatal, mas sereno, porque iluminado por alguns brilhantes capítulos da História e pela reversão científica proporcionada pelos gênios.
A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade. Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de arte. PRIGOGINE, I, cit. FERGUNSON, M.: 164
O imperativo da melhor convivência do habitante com o meio ambiente não pode olvidar, por óbvia extensão, o semelhante. Isto condiciona, pois, o aprimoramento das relações pessoais; por conseguinte, sociais. Em outras palavras: pelo respeito e consideração ao indivíduo (só por ele), chegamos ao resultado social. Onde isso se ensaia, quando prolifera esta idéia que a todos convém, a economia é considerada mera expressão numérica de relacionamento social, mas não hegemônica; e a lei, apenas explicação, jamais meio de dominação.
As repúblicas existem em grande número nos jovens civis que acreditam que as leis fazem a cidade. Para eles, graves modificações da política, dos modos de vida e trabalho da população, do comércio, da educação e da religião podem ser feitas e desfeitas por meio do voto. Acham que, desde que se obtenham as vozes necessárias para torná-la lei, qualquer medida, mesmo absurda, pode ser imposta às pessoas. Mas o sábio entende que a legislação tola é como um nó de areia que se desmancha ao ser feito. Entende que o Estado deve seguir, não liderar o caráter e o progresso do cidadão, e que a forma de governo que prevalece expressa o refinamento cultural da população que a permite. A lei é apenas um memorando. EMERSON, Ralph Waldo, Politics
Como criar organizações que continuem vivas? Como criar organizações que não nos sufoquem com seus ditames de controle e obediência? A resposta é clara e simples. Precisamos confiar no fato de que nós temos a capacidade de organizar a nós mesmos e precisamos criar condições que favoreçam o florescer da auto-organização. Whetlay, Kellner-Rogers, Um caminho mais simples: 58.
A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir-se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. A autonomia, para distritos e organizações, daria menos ocasiões para que os governos fossem chamados a tomar decisões nos assuntos alheios. BERTRAND RUSSELL, Ideais Políticos: 24
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Obra completa - 1996:
http://www.scribd.com/doc/6749961/2257-o-Conto-de-Comte-Cesar-Ramos

O grave dano social cartesiano

A falha de Einstein

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*1689. Data da Revolução Inglêsa, vitoriosa sem derramamento de sangue, cujo mote ensejou a inédita repartição do poder. O movimento teve em John Locke e Lord Shaftesbury seus mais notáveis artífices. Tais faróis encaminharam a civilização para o período subseqüente. O Iluminismo eximiu a gente do obscurantismo, e livrou o Reino Unido da tirania. Infelizmente, tais luzes ainda não atingem a América do Sul. Preferimos o "apagão".
** Positivismo: É a base, a justificativa, o esteio da perfídia de Comte. "Presume que todo o conhecimento verdadeiro é cientifico, no sentido que ele descreve a coexistência e a sucessão de fenômenos observáveis." (Bobbio, Norberto, 1995, p.135). “Deriva da locução do direito positivo contraposta àquela de direito natural”. (Idem, p.15)
“Nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências fisico-matemáticas naturais e sociais. É caracterizado pelo fato de definir constantemente o direito em função da coação, no sentido que vê nesta última um elemento essencial e típico do direito.” (Idem, p.147)
“Vê-se como, ao transferir para a vontade geral as funções cumpridas anteriormente pela vontade divina (vox populi vox Dei) o positivismo jurídico veio a fundamentar toda a regra jurídica positiva no poder legislativo do Estado e na sanção, que garante a obediência à lei. Recusando qualquer outro fundamento do direito, o positivismo jurídico negou a existência a de um direito que não fosse a expressão da vontade do soberano.” (Perelman, C., p. 395)
“Devemos insistir sobre o fato de que a relação entre as normas jurídicas e a força consiste em que elas dizem respeito à aplicação da força e não em que são protegidas por meio da força.” (Ross, Alf, cit. Bobbio, N., 1999, p. 68.)
“O objetivo de todo legislador não é organizar a força, mas organizar a sociedade mediante a força.” (Idem, p.70.)
“Nos quadros da Filosofia Jurídica a doutrina positivista se apresenta em oposição as correntes idealistas, especialmente as que sustentam a existência do Direito Natural.” (Faria, José Eduardo, Poder e Legitimidade, p.43)
As críticas ao positivismo de COMTE são abundantes: H. GRUEBER, A. Comte, der Begrunder des Positivismus, sein Leben und seine Lehre, Freib. I. B., 1889, tr. Fr. De Mazoyer, Paris, 1892; DE BROGLIE, Le Positivisme et la Science Experimentale, 2 vols., Paris, 1880; M. DEFOURNY, La Sociologie Positiviste, Auguste Comte, Paris-Louvain, 1902; J. DELVOLVÉ, Reflexions sur la Pensée Comtienne, Paris, 1932.
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Obras de Augusto Comte

  • Système de Philisophie Positive - 6 vols. in 8o. Paris - 1830-1842.
    Tradução inglesa resumida, por Miss Martineau - 2 vols. in 8o. - 1853 - Versão francesa deste resumo por Avezac-Lavigne.
  • Géométrie Analytique - Paris 1843 - 1 vol. in 8o.
    Tradução portuguesa por diversos alunos da Escola Militar do Rio.
  • Traité Philosophique d'Astronomie Populaire - Paris 1844 - 1 vol. in 8o. Système de Politique Positive ou Traité de Sociologie Instituant la Religion de l'Humanité - Paris 1851-1854 - 4 vols. in 8o.
    Tradução inglesa por Richard Congreve e outros.
  • Catéshisme Positiviste - Paris 1852 - 1 vol. in 8o.
    Traduções iraliana, espanhola, portuguesa, inglesa e alemã.
  • Appel aux Conservateurs - Paris 1855 - 1 vol. in 8o.
    Traduções portuguesa e inglesa.
  • Synthèse Subjective - Tome 1er: Systèmem de Logique Positive ou traité de Philosophie Mathématique - Paris 1856 - 1 vol. in 8o.
    Tradução inglesa da Introdução desta obra por R. Congreve.
  • Testament, avec les documents qui s'y rapportent. Prères quotidiennes. Confessions annuelles. Correspondance avec Mme. Clotilde de Vaux - 1vol. in 8o.
    Tradução inglesa por R. Congreve
  • Cirulaires Annuelles (1850-57) - Paris 1886 - 1 vol. in 8o.
    Tradução inglesa R. Congreve e outros.
  • Essai sur la Philosophie des Mathématiques - 1819-1820 - Brochura
  • Lettres à Valat (1815-1844) - Paris 1886 - 1 vol. in 8o.
  • Lettres a J. Stuart Mill - 1841-1844 - 1 vol. in 8o.
  • Lettres à divers - 2 vols. in 8o.
  • Correspondance Inédite - 4 vols in 8o.
  • Lettres au Dr. Robinet et à sa famille - Brochura
  • Lettres inédites à Blignières - 1 vol.


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6 comentários:

  1. César: embora eu respeite quem tem conhecimentos em uma área específica e trata dessa área específica, infelizmente suas observações sobre Comte não procedem.

    Vi que você é seguidor do embaixador Meira Penna, o que explica seus comentários: ele e os liberais católicos do Brasil - que se aproveitaram 1) do regime militar e 2) do clericalismo brasileiro - sempre falaram de Comte, difundindo erros factuais e preconceitos sobre Comte.

    Eu mantenho um blogue dedicado a esse tipo de problema: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/.

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  2. Especificamente a respeito do que você fala - que Augusto Comte foi um ideólogo do autoritarismo -, recomendo a leitura deste artiguinho:
    http://www.espacoacademico.com.br/087/87lacerda.htm.

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  3. Vejo que você é um grande conhecedor de Comte. Diga-me como conseguiu essa proeza e talvez possamos trocar idéias em nossos respectivos blogues; o meu é o seguinte: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/

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  4. Houve Augusto Comte. Pensava conhecer o futuro que estava reservado à humanidade. E, portanto, considerava-se o supremo legislador. Pretendia proibir certos estudos astronômicos por considerá-los inúteis. Planejava substituir o cristianismo por uma nova religião e chegou a escolher uma mulher para ocupar o lugar da Virgem. Comte pode ser desculpado, já que era louco, no sentido mesmo com que a patologia emprega este vocábulo. Mas como desculpar seus seguidores?
    MISES, Ludwig von: 31

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